Prefeitura de Bauru nega informações sobre coronavírus

Lei de Acesso à Informação foi descumprida duas vezes pelo órgão diante de solicitações da reportagem do Jornal Dois para obter dados sobre a pandemia; legislação obriga administração pública a responder

Publicado em 4 de junho de 2020

Lei de Acesso à Informação é válida em todo o país desde 2012 (Arte: Bibiana Garrido/Jornal Dois)
Por Bibiana Garrido

A Prefeitura Municipal de Bauru descumpriu a Lei de Acesso à Informação (LAI) n° 12.527 e deixou de fornecer dados sobre o coronavírus no município. Pela legislação federal, o prazo para a resposta obrigatória dos órgãos públicos é de no máximo 20 dias. Já são quase dois meses desde o primeiro requerimento enviado pela equipe do Jornal Dois, e 37 dias desde o segundo. Seguimos sem respostas.

Para solicitar informações pela LAI no site no site da prefeitura, basta preencher os campos com a solicitação desejada. E foi assim que procedeu o J2 na tentativa de coletar dados que não foram divulgados oficialmente. Abaixo, o que a gente pediu:

Cópia dos pedidos da Lei de Acesso à Informação enviados à Prefeitura Municipal pela equipe do Jornal Dois; nas movimentações disponíveis para consulta e acompanhamento no site do órgão, é possível ver que as solicitações passam de um departamento ao outro, encaminhadas “para as devidas providências”

O primeiro pedido de LAI do J2 para obter dados de Bauru durante a pandemia foi enviado em 13 de abril de 2020. Solicitamos a lista completa de estabelecimentos autuados, multados, notificados ou interditados pela fiscalização e vigilância municipal em descumprimento da quarentena que estava estabelecida na cidade. 

Naquela época, a prefeitura havia apenas divulgado o número de estabelecimentos em funcionamento irregular durante o isolamento social: foram 1791 denúncias na Ouvidoria Municipal e 104 ocorrências na Polícia Militar, conforme publicamos em reportagem

É que, para além dos números, queríamos saber quais lojas e negócios estavam furando a quarentena. Nossos leitores e leitoras também queriam essa a resposta.

O segundo pedido de LAI referente ao coronavírus em Bauru foi enviado à prefeitura pelo Jornal Dois em 28 de abril de 2020. Dessa vez, solicitamos algo que já vinha sendo divulgado em dados abertos por diversas prefeituras do estado de São Paulo: a relação de casos e óbitos da covid-19 pelos bairros da cidade. 

Em Bauru, apesar da divulgação feita pelo órgão do mapa da cidade, ilustrando “pontos” e “cores” para as diferentes regiões, conforme a maior ou menor incidência de casos e mortes pelo vírus, não há transparência no número exato de pessoas afetadas em cada bairro. A reportagem requeriu a informação para a assessoria da prefeitura antes de entrar com a LAI.

A equipe reiterou ambos os pedidos em 19 de maio, ressaltando o descumprimento da lei a partir de dois novos protocolos no site da Prefeitura Municipal.

Sigilo de informações

A Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/2011) passou a valer no Brasil a partir de maio 2012 e tem o objetivo de incentivar a cultura da transparência pública e do controle social na administração governamental. A partir dessa lei os órgãos públicos precisam considerar a publicidade da informação como uma regra e o sigilo, uma exceção.

Qualquer pessoa pode solicitar acesso à informações que quiser saber, seja da prefeitura, governo de estado, governo federal ou dos poderes legislativo e judiciário de qualquer esfera. Também estão sujeitos à LAI autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades controladas direta ou indiretamente pelos entes da federação e entidades privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos.

De acordo com a lei os pedidos podem ser feitos pessoalmente ou via internet e devem ser respondidos em até 20 dias. Esse prazo pode ser prorrogado por mais 10 dias, desde que seja previamente informado ao cidadão e mediante justificativa. 

Para o órgão público negar o acesso à informação também é preciso oferecer uma justificativa.

Transparência

Um relatório publicado pela ONG ARTIGO 19 no final de maio revelou a dificuldade para acesso a informações sobre a covid-19 no Brasil. No mês em que a Lei de Acesso à informação completou oito anos de existência, a pesquisa mostra a falta de respostas e de transparência do poder público diante de informações que deveriam ser compartilhadas com a população.

A ARTIGO 19 é uma organização internacional que atua em defesa dos direitos humanos, da liberdade de expressão e do acesso à informação em todo o mundo. O nome da ONG é inspirado no 19° artigo da Declaração Universal dos Diretos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU):

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e  independentemente de fronteiras.

No relatório Transparência para vencer a crise a organização destaca que 32,2% dos pedidos de LAI ficaram sem respostas – foram analisadas solicitações nas esferas estaduais e federais da saúde. “Os dados revelam que também é insatisfatória a publicação de dados desagregados por gênero, raça e etnia e outras informações que possam trazer evidências sobre os diferentes impactos da pandemia no país”, afirma a publicação.

O estado de São Paulo ocupa a 11° posição no índice Transparência Covid-19, portal que avalia a qualidade dos dados e informações relativos à pandemia do novo coronavírus publicados pela União e pelos estados brasileiros em seus portais oficiais. A iniciativa é da Open Knowledge Brasil – o nome da organização, em inglês, quer dizer algo como “conhecimento aberto” em português. 

O índice Transparência Covid-19 atualiza a posição dos estados no ranking conforme a transparência e disponibilidade das informações dos órgãos públicos em dados abertos (Vídeo: Leonardo Fullana/Reprodução)

Em Bauru não há dados abertos sobre o número total de solicitações via Lei de Acesso à Informação encaminhadas para a Prefeitura Municipal em 2020. No site do órgão consta a relação de pedidos recebidos entre 2014 e 2019.

Segundo a prefeitura, no ano passado foram 67 pedidos de informações públicas pela LAI, e nenhum deles foi rejeitado.

O J2 entrou em contato com a prefeitura para saber porque é que não houve respostas das solicitações LAI, e até o momento de publicação não houve retorno.

Atualização às 15h28

Em nota, a assessoria de comunicação da prefeitura informou que: “Com a redução de funcionários por conta da pandemia, alguns processos ficaram parados, no entanto serão respondidos o mais breve possível”.

 

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