Por Naiara Patricia dos Santos Neves, colunista do JORNAL DOIS
Março é considerado o mês das mulheres. Neste mês existe uma maior visibilidade em torno das questões desse grupo, são várias atividades buscando incentivar a união, o exercício da empatia, o companheirismo, o empoderamento, objetivos da sororidade.
Isso é incrível, mas devemos levar essas atividades para todos os outros meses e dias do ano. Por falar no mês considerado como da mulher, março e o ano de 2018 ficarão marcados pela execução de uma de nós, mulheres negras, estamos em luto por Marielle Franco, brutalmente assassinada, por usar sua voz na luta contra o genocídio da população negra.
É perceptível que cada vez mais mulheres estão engajadas na luta contra estereótipos preconceituosos criados por uma sociedade machista, patriarcal, racista, homofóbica, transfóbica e tantas outras discriminações. Dentro desse patamar a mulher negra sofre diversas discriminações e violências, principalmente em decorrência do gênero, raça e posição social.
Recentemente as redes sociais foram tomadas por comentários racistas direcionados a jovem e microempresária Yasmim, mulher negra, com longo cabelo crespo volumoso. Ela participou em um programa de televisão, contando sobre uma entrevista de emprego onde ela não foi contratada, pois usava tranças.
Fora o desrespeito com a imagem de Yasmim, os comentários sobre seu depoimento, por sinal distorcido nas redes sociais, chancelavam a prática discriminatória de exigir boa aparência como pré-requisito para preenchimento de uma vaga de emprego.
O que seria essa boa aparência? Ter os cabelos lisos, loiros e a pele branca? O cabelo crespo que cresce naturalmente em nossas cabeças, e seja ele trançado, preso ou solto com seu volume é má aparência? Má aparência para pessoas racistas não é apenas o cabelo crespo. A má aparência é o cabelo crespo na cabeça de uma mulher negra, pois aos negros são imputados adjetivos de sujo, fedido. Uma mulher branca com cabelo crespo ou tranças não recebe esse tipo de comentário e tratamento.
Com relação às empresas, as mesmas podem ter regras para todos os funcionários, como por exemplo, o uso de touca para manuseio de alimentos, porém, exigir como boa aparência ter cabelos lisos, alisados, sem volume, é uma prática discriminatória.
Mulheres negras, mesmo com um currículo excelente, com advento das ações afirmativas chegam cada vez mais à graduação, encontram mais uma barreira, quando em uma entrevista para preenchimento de vaga, são preteridas pela cor, por seus traços negroides. É a manutenção dos privilégios daqueles que não são minorias, uma forma de silenciar, de deixar implícito que o lugar de mulheres negras não é onde elas quiserem. Não é pedir demais ocupar uma vaga levando em consideração apenas qualificações profissionais.
A confirmação da dificuldade de inserção de mulheres negras no mercado de trabalho também aparece em formato de números, que mostram o desemprego avançando mais rápido entre as mulheres negras.
Muitas dessas mulheres, desempregadas, acabam sendo absorvidas por trabalhos informais, domésticos e de baixa remuneração. Matéria recente da BBC aponta que o Brasil tem o maior número de empregadas domésticas do mundo, resquícios de um país escravocrata.
É um problema estrutural, de gênero e raça, sendo necessária a manutenção das políticas públicas existentes, e a criação de outras que possibilitem uma transformação do atual cenário de desigualdade.
Hoje também é dia das mulheres e não seremos esquecidas, silenciadas, seguimos lutando por Yasmim, por Marielle e todas as mulheres.
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