Por Ana Carolina Moraes, Giovana Amorim, Laura Botosso e Yuri Ferreira
Não diferente das outras cidades brasileiras, Bauru é repleta de edifícios que, com o passar do tempo, foram esvaziados de funcionamento e pessoas; caíram no esquecimento. Muitos servem de teto para moradores de rua e abrigo para usuários de drogas, passando de solução à um problema que as políticas públicas existentes não conseguem dar conta, já que abandonam essas pessoas à sua própria sorte.
O antigo e enorme prédio do INSS, erguendo-se ainda imponente no centro da cidade, é um exemplo disso. Ao mesmo tempo, uma verdadeira aula de cidadania são as ocupações culturais destes espaços. A Estação Ferroviária bauruense atualmente abriga em seu prédio 10 entidades e coletivos, como a Casa da Cultura Hip Hop, iniciativa do Instituto Acesso Popular, que oferece ao seu entorno oficinas de formação dos quatro elementos do Hip Hop — DJ, rap, breaking e graffiti — e um cursinho pré-vestibular popular.
A estrada de ferro da Noroeste do Brasil faz parte da história de Carlos Renato Moreira, o Magu, militante da cultura Hip Hop e presidente do ponto de acesso à cultura Casa do Hip Hop de Bauru. Ele conheceu o movimento pela cultura vinda nos vagões com aqueles que se aventuravam a buscar, na capital paulista, as produções da cena na época.
De fato, o Hip Hop é um movimento cultural filho da norte americana Nova Iorque dos anos 1970 e, no Brasil, seu berço adotivo foi São Paulo. “Naquela época, sem essa facilidade de informação que a gente tem, a galera precisava ir para São Paulo pra tá buscando esse conhecimento. E a maioria dessas pessoas iam de trem pra lá. Pegavam esse trem aqui, de manhãzinha, ia até São Paulo, comprava um disco, trocavam ideias com a galera de lá e voltavam no mesmo dia”, explica Magu a respeito da importância da ferrovia para esse primeiro contato bauruense com o hip hop.
Os trilhos bauruenses foram construídos sobre o sangue dos indígenas Kaygangs, nativos da região. Dizimados, tiveram sua cultura desconsiderada em nome do progresso econômico de Bauru. “A gente sabe que essa ocupação da estação na cidade foi uma parada meio zoada, né?”, questiona Magu. “Os caras mataram índio para caralho aqui, então isso aqui foi um local de muito sofrimento”.
Anos depois, esse sofrimento também tomou conta da sala onde atualmente são ministradas aulas de dança da Casa do Hip Hop, local da antiga chefia da estação. Um ferroviário contou para o presidente do projeto que os trabalhadores que ali entravam geralmente eram demitidos. Magu ressalta que o marcante foi o funcionário expressar a transformação do espaço ao dizer que muita gente fora infeliz ali, diferente de hoje, já que muitas pessoas são felizes por conta do projeto.
“Você muda até a questão da energia do local. Então, a gente poder mobilizar tanta gente em torno da ideia de ter a cultura como fomentadora de sonhos, é especial”.
Mesmo oferecendo 900 vagas para atividades culturais, esportivas e profissionalizantes, a Casa do Hip Hop é alvo do descaso do poder público municipal, funcionando exclusivamente pelo trabalho de voluntários dedicados. Magu relata que “não existe subsídio da iniciativa privada, muito menos do poder público. A gestão financeira do espaço é a mais fácil de fazer, porque não existe nada financeiro aqui. A maioria das coisas é colaboração direta dos participantes da direção e de quem usufrui do espaço”.
A Casa de Cultura Hip Hop foi o primeiro coletivo a ocupar o prédio da estação. Apesar da prefeitura ter feito a concessão, Magu explica que os voluntários do projeto foram os responsáveis por remover aproximadamente duas toneladas de lixo do andar por eles utilizado, e que as paredes possuem cores diferentes pois foram pintadas com restos de tintas doadas.
O espaço carece de estrutura de acessibilidade, a fiação elétrica existente foi improvisada, custeada com dinheiro de eventos realizados no local, e não há banheiros para atender as pessoas que circulam por ali. O poder público só financiou a reforma da área onde pretendem instalar a Estação das Artes, com novo relógio e sineta, demonstrando negligência e descaso com entidades como a Orquestra Sinfônica Municipal e a ARACI Cultura Indígena.
Os eventos na Casa do Hip Hop têm se tornado mais escassos por falta de subsídios municipais e segurança. “Eles [o poder público] alegam que não pode ter evento porque tem consumo de drogas. A Casa do Hip Hop não vende drogas, se vem de fora, não é a gente quem tem que cuidar disso, isso é um problema de polícia e de saúde pública. Não é nossa culpa”, argumenta Magu. A realização de eventos é a única forma de capitalizar recursos para a Casa, através da venda de comida, bebida e produtos confeccionados pelos membros.
Recentemente, o vereador Benedito Meira (PSB) sugeriu a venda da Estação Ferroviária da Noroeste. Em nota publicada no dia 22 de novembro de 2017 no Jornal da Cidade, ele define sua posição: “ninguém usa aquilo, nenhuma secretaria foi para lá e está deteriorando. Indo para a iniciativa privada, terá uso melhor”.
“Tem vereador que fala que isso aqui tá jogado, que não existe nada”, comenta Magu. “Se nós oferecemos 900 vagas [para participação de atividades culturais diversas], mas as outras dez entidades que tem aqui dentro que oferecem também umas 100, 150, 200, contando com os eventos… isso deveria ter uma atenção maior, e as pessoas não deveriam falar que esse lugar está abandonado”.
Tsunami
“Eu acredito muito que a revitalização de Bauru vai ter maior chances de sucesso se começar por aqui [centro]”, comenta Luiz Fonseca, Secretário Municipal de Cultura, quando perguntado sobre a reforma no prédio da estação.
Desde que foi comprada pela prefeitura, em 2009, a construção já teve diversas propostas de uso — de mercadão municipal à moradia estudantil. “Nesse governo, falou-se em transformar em “Estação das Artes”, diz o Secretário.
Almejando reunir um grande conjunto de expressões e manifestações artísticas dentro do prédio, que abrigaria também a Secretaria de Cultura, o Estação das Artes contempla ainda a construção de dois auditórios grandes e projetos em duas áreas específicas. Com isso, a cidade poderia contar com mais espaços para realizar atividades, misturando elementos culturais diferentes, como música, dança e literatura.
O projeto também prevê ampliação no atendimento ao público. De acordo com Fonseca, apesar de 2000 crianças participaram das atividades oferecidas pela Secretaria de Cultura no último ano, “hoje nós temos centenas de ações que não são expandidas, muitas vezes, por falta de espaços adequados”, explicita.
Além da estação, o trecho do fundo de vale tem o Museu Ferroviário e o Museu Histórico Municipal. Outra proposta é interligar os três pontos com uma Maria-Fumaça, formando um complexo de museus, uma proposta única no Brasil, segundo Alex Sanches, diretor do Museu.
Um plano cultural ambicioso, de alto custo e longo prazo. A previsão é de que o projeto Estação das Artes seja concluído em três anos. Para ser implementado, seu custo gira em torno de seis milhões de reais, considerando recursos próprios do município e outra parte que pode ser oriunda do Poder Estadual, Federal, e ainda de empresas, por meio das parcerias público-privadas.
“O prédio da estação foi muito bem construído. Você não vê grandes rachaduras, grandes problemas, exceto o desgaste do tempo. Na realidade, eu acredito que o maior investimento vai ser a parte elétrica e hidráulica”, destacou Fonseca.
Mesmo com um planejamento incerto e verbas ainda limitadas, o secretário entende que a ocupação cultural do prédio favorece as mudanças na construção e no centro. “É como se fosse uma onda, um tsunami. Se você começa do meio para lá”, diz ele, ao apontar para os fundos do Museu, indicando a região norte, “a cada dia que passa isso vai ficar cada vez mais esquecido. O caminho é por aqui”, e aponta para o centro e entornos da estação. “Eu não vejo outra porta de Bauru, que tenha tanta potencialidade, como nós temos por aqui”.