Por Ana Carolina Moraes, Giovana Amorim, Laura Botosso e Yuri Ferreira
10 mil metros quadrados, paredes brancas altíssimas; pelas frestas da porta é possível ver o mármore do chão e o balcão feito de uma madeira tão boa que, mesmo depois de 80 anos, parece intacta. A construção salta aos olhos pelo simbolismo e imponência. No fundo de vale que margeia o Rio Bauru está a antiga estação ferroviária da cidade. A partir dela, o centro de Bauru se expande até a Avenida Nações Unidas.
A principal área comercial do município é feita de contrastes. As lojas de eletrodomésticos, vestuário, os pontos de alimentação, tão presentes no coração do centro, ficam mais escassos quanto mais perto da antiga estação ferroviária, ali nas primeiras quadras do Calçadão da Batista de Carvalho e da Avenida Rodrigues Alves.
Neste trecho, a memória do apogeu da linha férrea na cidade paira sobre uma praça com uma base policial, o prédio imenso da estação ferroviária, hotéis velhos, comércios fechados, pessoas em situação de rua e a linha do trem. O descaso com o local aparece em conversas que se repetem: “hoje aqui está cada vez mais decadente”.
Berço
“Bauru é uma cidade que cresceu sob o berço da estação, é o patrimônio da cidade”, comentou Luiz Fonseca, Secretário Municipal da Cultura. A ferrovia trouxe o desenvolvimento à maior cidade do centro-oeste paulista quando se instalou em 1906–10 após a emancipação do município e 50 da ocupação de terras como a Fazenda das Flores, mais próximas ao que viria a ser o centro da cidade.
Alex Sanches, diretor do Museu Ferroviário, entende que os trens trouxeram a base da construção do município: a diversidade.
“A cidade se formou por várias coisas. Tem memorialistas que falam que foi por causa da ferrovia; outros falam que foi pelo comércio; tem quem fale que foi por causa das escolas e das universidades; outros falam que é por causa dos hospitais que tem aqui. Se você for ver já existe essa multiculturalidade dentro do município desde o começo”, explica.
Crescimento econômico e o desenvolvimento social também foram contribuições da ferrovia para a cidade. “Os livros falam que no começo Bauru tinha 500 almas; quer dizer, não tem como essas 500 almas se multiplicarem tanto num período tão curto”, comenta o diretor sobre o rápido crescimento populacional da cidade. O primeiro boom de pessoas foi percebido na década de 1940, período que coincide com o apogeu do comércio ferroviário e com a inauguração do prédio da Estação tal qual conhecemos hoje.
A linha do tempo a seguir contextualiza a história da Estação Ferroviária:
Cinco décadas depois, a construção que marcou o progresso da cidade conheceu o abandono por conta da desativação do transporte de passageiros pelos trens.
“Até então, quem mantinha a ferrovia era o governo do estado. Quando veio a privatização, o governo passou tudo para as mãos da iniciativa privada”, conta Saches.
A ideia era de que a ferrovia poderia ser melhor administrada por uma empresa do que pelo estado, mas resultou no desmonte do transporte de passageiros por trens e, consequentemente, no abandono dos espaços de embarque e desembarque. O diretor do Museu Ferroviário conta que foi preciso fazer uma adequação de toda estrutura, linhas férreas, maquinário que a empresa tinham pegado. “Depois começaram a desativar aquilo que não era operacional e as linhas tidas como supérfluas; foram diminuindo a quantidade de trens ao longo do tempo porque não entendiam o centro oeste como atrativo,” explica.
Sem o fluxo de pessoas que viajam pelos trilhos, o comércio na região central caiu e a área ficou cada vez mais esvaziada. O espaço passou a ser ocupado por pessoas em situação de rua. A marginalização destes, somada à decadência do local por falta de investimentos, afastou o interesse de recuperar a área por quase duas décadas.
Apesar deste cenário, Sanches insiste que a ferrovia ainda é um símbolo para a cidade. “Quando se fala em ferrovia, fala-se do passado. Mas na verdade a ferrovia ainda é um meio de transporte atual, que tende a crescer. O que não tem mais é o transporte de passageiros por trem”, conclui.
Esta é uma reportagem opinativa. A apuração e checagem das informações expressas seguem o rigor jornalístico orientado por uma hipótese elaborada pelos repórteres.