“Com a corda no pescoço”: por falta de doações, projeto De Grão em Grão teme o fim
Projeto de auxílio a familias em vulnerabilidade atende seis comunidades com entregas mensais de alimentos; beneficiados relatam sentir “medo” com o fim da iniciativa
Publicado em 29 de agosto de 2023
Por Paula Bettelli
Desde 2011 a iniciativa De Grão Em Grão realiza a entrega de cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade social em Bauru. Mantido através da arrecadação de doações, integrantes e beneficiados do projeto temem que as distribuições sejam interrompidas a partir de setembro por falta de recursos. O colaborador Guilherme Rodrigues relata que das seis comunidades auxiliadas com as entregas, uma não recebeu as cestas em agosto.
“Em agosto nós atendemos cinco comunidades, ficou faltando uma. Tem ficado cada vez mais difícil”, lamenta. Ele conta que as entregas, hoje mensais, já foram quinzenais, conseguindo atender 12 bairros da cidade. “No começo da pandemia nós conseguimos ir a 12 bairros. As doações eram mais volumosas, com maior frequência. Conforme a pandemia foi se alastrando e os preços subiram, as doações caíram muito. Então a gente estipulou seis comunidades para tentarmos auxiliar mensalmente”
Representante do assentamento Virgínia Rainha, localizado ao lado do bairro Vila Dutra, Sidnei da Silva ‘Caubói’ explica que apesar de ter 68 lotes no local, apenas 18 famílias pegam a cesta. “Essas pessoas realmente precisam. Se não fossem eles [do De Grão Em Grão], não sei o que seria”, afirma. Ao ser perguntado sobre a possibilidade do projeto acabar, demonstra preocupação: “Não posso nem pensar nisso”.
Alcidineia Fernandes, coordenadora do acampamento Vila Agrária Nova Família, relata que no assentamento algumas famílias vivem situações parecidas.”Aqui tem mulher com três, quatro filhos, que não consegue trabalhar. Muitas vezes a pessoa tem uma faxina para fazer, mas não tem onde deixar os filhos”, declara.
Dados da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEBES) apontam que em 2021 havia 10.389 famílias em situação de extrema pobreza em Bauru, com renda per capita de até R$89,00 por mês.
O ano de 2021 foi também quando o Brasil voltou ao Mapa da Fome. Relatório publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) mostrou que o número de brasileiros enfrentando algum grau de insegurança alimentar entre 2019 e 2021 atingiu a marca de 61,3 milhões de pessoas.
Em julho de 2023, novo relatório publicado pela ONU constatou, mais uma vez, aumento da fome. Entre 2020 e 2022 o país passou a ter 70,3 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, revela a pesquisa. Destas, 21 milhões não têm o que comer todos os dias. O documento identificou 10 milhões de brasileiros desnutridos.
Em Bauru, não há dados atualizados sobre a insegurança alimentar na cidade.
Mais de uma década de história
Foi em 2020, no início da pandemia, que o grupo De Grão Em Grão sentiu a necessidade de dar nome à iniciativa. Antes disso, a idealizadora Tatiana Calmon arrecadava doações com amigos, no ‘boca a boca’, e fazia as entregas em datas comemorativas. “Eram ações pontuais, como Dia das Crianças, Natal e Dia das Mães”, cita Guilherme, integrante do projeto. E lembra: “Quando começou a pandemia, a gente expandiu as atividades para várias comunidades, na ideia de socorrer aqueles trabalhadores que estavam sem trabalho por conta da pandemia”.
Se demonstrando grato à iniciativa, Sidnei ressalta a presença constante do grupo no assentamento. “No dia das crianças sempre foi o pessoal do De Grão Em Grão que veio aqui, acudir. É natal, nunca esqueceram o pessoal aqui. É páscoa. Eles vem sempre sorrindo, trazendo alegria pro pessoal. , declara. O representante de Virgínia Rainha afirma que foi até a Prefeitura solicitar auxílio à prefeita Suéllen Rosim, mas não foi atendido. “A prefeitura é totalmente ausente conosco aqui”, conclui.
Alcidineia cita uma única vez que o assentamento Vila Agrária Nova Família recebeu cestas básicas da prefeitura. “Faz uns seis anos que a prefeitura mandou uma cesta básica, depois disso não apareceram mais. Não fazem o trabalho lindo e maravilhoso que o De Grão Em Grão faz”, analisa.
Para Guilherme, a existência de uma iniciativa como a De Grão Em Grão pressupõe falta de políticas públicas adequadas. “A gente vai aonde o Poder Público não chega. Se chegasse com políticas públicas até essas comunidades, não precisaria mais existir grupos como o nosso. As pessoas teriam o mínimo do mínimo, que são os alimentos”, pondera. Mas para além dos alimentos, os voluntários do projeto levam “alento, carinho, cuidado”, pontua Guilherme. “Esse contato que a gente tem com as pessoas é muito rico, muito importante”, considera.
Ele cita o caso da comunidade do Jardim Manchester, que através de conexão feita pelo grupo De Grão Em Grão, se aliou ao Coletivo Ação Libertária (CAL) e estão construindo, em conjunto, um Centro Comunitário com uma horta administrada por e para os residentes do local. “Quando a gente começou a ir no Jardim Manchester não tinha nada. Hoje, através de outras parcerias que nós temos, pessoas que vamos indicando, eles estão construindo um centro comunitário, eles têm uma horta maravilhosa lá”.
“Estamos com a corda no pescoço. Se as doações continuarem diminuindo, cada vez mais escassas, em pouco tempo o grupo vai acabar. Para a gente continuar o nosso trabalho, precisamos de um bom engajamento. Sem esse engajamento a gente não consegue levar um acalento a quem tem fome”, se entristece Guilherme.
A coordenadora do Vila Agrária Nova Família detalha que o que sente quando pensa na pausa das entregas de cesta “é medo”. “Faz quatro anos que o De Grão está com a gente. Tem família que depende da cesta, vai ficar desesperada”, prevê Alcidineia.
As doações de alimentos não perecíveis podem ser feitas de forma direta na Rua Cussy Júnior, 3-40, Centro. O projeto também aceita doações através do pix: 14991324759.