20 mil bauruenses devem ficar sem auxílio emergencial em 2021
Mais de 80 mil receberam em 2020; benefício volta com valor menor e previsão para início de pagamentos entre março e abril
Reportagem publicada em 13 de março de 2021
Por Paula Bettelli
Edição Bibiana Garrido
A nova rodada do auxílio emergencial está prevista para começar em abril com parcelas, ainda a definir, de R$ 150, R$ 250 e R$ 375. O benefício chegou a mais de 81 mil bauruenses em 2020, o que corresponde a 21,5% da população do município. Em 2021, ao menos 1 em cada 4 contemplados no ano anterior não receberão as novas parcelas. Isso significa que, em Bauru, 20 mil pessoas podem ficar sem o auxílio emergencial em 2021.
Criado em abril de 2020, o benefício diminuiu o impacto da pandemia nas famílias de baixa renda. A distribuição chegou a quase 68 milhões de brasileiros.
O resultado da política foi a redução das desigualdades no país. Entre maio e agosto de 2020, a taxa de pessoas em situação de extrema pobreza foi a menor da história brasileira. Diminuiu de 4,2% para 2,3%. Cerca de 4,85 milhões de pessoas ainda vivem com menos de R$10 por dia.
No primeiro momento, com duração até setembro, as parcelas mensais do auxílio foram no valor de R$ 600 e R$ 1.200 para mulheres chefes de família. De outubro a dezembro, os valores caíram pela metade, R$ 300 e R$ 600, respectivamente.
O fim do auxílio em dezembro elevou os números da pobreza no país. Em janeiro, a quantidade de pessoas na miséria já era maior se comparada ao período anterior à pandemia. No primeiro mês de 2021, 12,8% da população passou a viver com menos de R$ 8,20 por dia. A análise é da FGV Social sobre os relatórios da Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua e Covid-19.
A volta do benefício passou a ser discutida pelo Governo Federal no início de 2021, e foi aprovada pelo Congresso Nacional na última quinta, 11 de março. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial definiu repasse de R$ 44 bilhões para o pagamento da nova rodada do auxílio emergencial. São R$ 250 bi a menos do que os R$ 294 bi investidos em 2020. A expectativa é que a lei seja promulgada, ou seja, confirmada pelo Congresso aa segunda, 15.
Com parcelas ainda a definir de R$ 150, R$ 250 e R$ 375, o benefício foi apontado como insuficiente se comparado ao valor distribuído em 2020. A iniciativa Renda Básica Que Queremos calcula que, com a queda, 1 em cada 4 pessoas beneficiadas na primeira leva não o serão em 2021. Em campanha junto a 270 organizações sociedade civil, ONGs, universidades, sindicatos e oposição partidária, o movimento solicitou ao Governo Federal que se mantivessem parcelas de R$ 600 até o fim da pandemia.
Pode solicitar o auxílio qualquer cidadão maior de 18 anos, ou mãe com menos de 18, que atenda aos requisitos: estar desempregado ou exercer atividade na condição de microempreendedor individual (MEI), ser contribuinte individual da Previdência Social, ser trabalhador informal, pertencer à família cuja renda mensal não ultrapasse ½ salário mínimo (R$ 522,50) ou cuja renda familiar total seja de até três salários mínimos (R$ 3.135,00).
Cresce o desemprego e o preço dos alimentos
Senhorinha Pereira da Silva, moradora da Vila Industrial em Bauru, tem 59 anos e cuida, em sua casa, da filha Renata e da neta de 5 anos, Lívia. Além das três, também vive com elas Antônio João de Oliveira, marido de Senhorinha.
Em 2020, quase toda a renda da família veio do auxílio emergencial recebido por ela e pelo marido. Os R$ 1.200, soma das parcelas do casal, eram destinados ao pagamento das contas da casa. “A gente pagou água, pagou luz, ficou em dia com os boletos que estavam todos atrasados. Tudo ia para a casa e para comida”, lembra Senhorinha.
Pesquisa do Datafolha, publicada em agosto de 2020, mostra os principais destinos do recurso nos quatro primeiros meses de distribuição: entre os entrevistados, 53% declarou que a maior parte foi para a compra de alimentos, e 44% informou que o auxílio foi a única fonte de renda no período.
A alta no desemprego é um dos motivos para o crescimento da vulnerabilidade econômica entre os brasileiros. São 14 milhões de pessoas desempregadas no país, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número corresponde a 14,1% da população. Essa conta não inclui a parcela de desalentados, nem trabalhadores informais, que tiveram suas atividades prejudicadas pelo distanciamento social. Esse é o menor índice de desemprego no Brasil desde 2012.
Em Bauru, 37,1% da população exercia atividades formais e informais em 2018 – dado mais recente do IBGE Cidades -, e aproximadamente 172 mil estavam desocupadas. Naquele ano, o desemprego no Brasil estava em queda, começava retomar o crescimento em 2019.
Felipe Duarte, que é economista e mestre em Ciências Sociais, aponta que além da falta de emprego, quem seguiu empregado não teve aumento na remuneração. O custo de vida aumentou no período. “O salário e os rendimentos do trabalho, em geral, não têm subido. Isso tem uma relação com a inflação, além de questões da dificuldade de consumo”, analisa.
Senhorinha não pode ficar fora de casa por um longo período. Renata, sua filha, é portadora de deficiência, vive em cadeira de rodas e precisa de cuidados especiais. A mãe explica que, como responsável pela filha, não tem condições de trabalhar fora de sua casa.
“Mesmo se eu quisesse trabalhar, eu não posso de jeito nenhum”, diz Senhorinha. “Renata depende de mim para tudo. Se eu sair de manhã cedo, ela tem que ficar na cama até a hora que eu voltar para trocar a fralda”.
Antônio, o pai, vive de “bicos”, e Senhorinha conta que o marido não consegue nenhum há quase dois anos. “Está com problema na perna, no nervo ciático, um monte de coisa. Ele anda meia quadra e já tem que sentar para a dor passar. Fica difícil arrumar um serviço assim”. Com 67 anos, ele faz parte do grupo de risco da covid-19.
Com o fim do auxílio emergencial, a família passou a sobreviver com um benefício de Renata, destinado a pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade, pela Lei Orgânica da Assistência Social. O valor mensal é o equivalente a um salário mínimo (R$ 1.100), que eles dividem para o sustento de quatro pessoas. Também recebem doações de alimentos e roupas.
Mesmo recebendo o auxílio em 2020, a família conta que ainda precisou de ajuda externa para bancar as refeições diárias. No ano passado o preço dos alimentos teve a maior alta desde 2002. Segundo o IBGE, o aumento foi de 12,1% entre janeiro e novembro.
Sem solução para a falta de comida em casa, Senhorinha, Antônio, Renata e Lívia se mudaram temporariamente para a casa do filho do casal. “A gente não tinha basicamente nada, fomos para a casa do meu filho. A gente almoçou lá, jantou. Ajudou muito nessa parte”, relata a mãe.
E se o dinheiro não rendeu em 2020, em 2021 o cenário piorou: os brasileiros têm agora seu menor poder de compra desde 2005. Com os atuais R$ 1.100 do salário mínimo é possível comprar uma cesta básica e olhe lá – o preço médio está em R$ 696,70. A análise desses dados foi publicada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).
Com o provável valor do novo auxílio emergencial, não é possível, para uma pessoa, comprar sequer uma cesta básica por mês.
Brasil no epicentro do coronavírus
No mesmo dia da aprovação da PEC Emergencial em 1º turno na Câmara dos Deputados, 10 de março, o Brasil alcançou o recorde de maior número de mortes por covid-19 em 24 horas: 2.349 óbitos.
Diante desse cenário, o Governo do Estado de São Paulo anunciou na quinta, 11, novas restrições para a circulação de pessoas. As medidas fazem parte da Fase Emergencial do Plano São Paulo, com limitações maiores que a Fase Vermelha e passarão a valer a partir de segunda, 15.
Gabriel Lagrotta, artista de rua bauruense, lembra que há categorias invisibilizadas que sentem o impacto das restrições. “Tiveram tempos muito ruins. A pandemia impediu a gente que é artista de trabalhar”.
Ele conta que, sem um salário fixo, é difícil se reinventar em meio à pandemia. “Todo mundo falando que é hora de respirar e pensar na gente mesmo, mas como eu vou parar e não ter dinheiro para me planejar? A gente fica abandonado mesmo, não temos como fazer dinheiro e as contas seguem”.
Auxílio e renda básica
Senhorinha reconhece que o valor do auxílio emergencial em 2021 não será suficiente para arcar com suas despesas, mas afirma que está contando com o benefício. “São bem vindos também, os R$ 250. Ajudam em uma água, em uma luz, num leite para a Lívia. Já dá para fazer alguma coisinha”.
Felipe Duarte avalia que, em âmbito coletivo, o novo auxílio será essencial. “A gente não pode esquecer que um terço da população do país foi beneficiada com o auxílio. Apesar de serem apenas R$ 250, eles serão muito relevantes”, diz o economista.
Ele defende um programa permanente de renda mínima. Em sua opinião, o auxílio emergencial poderia ter sido aproveitado para dar início a uma política pública nesse caminho.
“O problema é que se perdeu a oportunidade de criar um programa de renda básica como um programa permanente, pensado dentro do orçamento. Essa é a grande questão”, declara. “A gente atingiu o menor nível de pessoas em extrema pobreza da série histórica. O governo perdeu a oportunidade de transformar esse auxílio em uma política pública mais séria”.
A renda básica universal é reivindicação histórica de agentes políticos como Eduardo Suplicy (PT), que foi senador por São Paulo durante 24 anos e é atualmente vereador na capital. O benefício, aprovado por lei no Brasil, poderia garantir a famílias em situação de vulnerabilidade o acesso ao básico para sobreviver, como comida, água, luz e moradia.
O debate sobre a renda básica voltou à tona por conta do auxílio emergencial, que se assemelha à política por distribuição de renda, tirando o fato de que esse tem data para acabar e a renda básica não.
Por meio de um programa governamental de transferência de dinheiro, a renda básica estabelece o direito à distribuição sistemática de recursos, de forma periódica, individual e predeterminada a todos os cidadãos.