10 cidades mais afetadas pela covid no interior de SP são governadas por bolsonaristas
Bauru é a 6ª com mais infectados; município elegeu Bolsonaro com 74% dos votos e é governado por Suéllen Rosim, do Patriota, sigla cogitada para filiação do presidente que está sem partido desde novembro de 2019
Publicado em 22 de maio de 2021
Por Victoria Ribeiro
Edição Bibiana Garrido
As dez cidades do interior de São Paulo com maior percentual de casos de covid-19 são governadas por prefeitos e prefeitas de partidos da base bolsonarista. Com a prefeita Suéllen Rosim (Patriota), Bauru ocupa a 6ª posição do ranking tendo 10,72% da população infectada. 74,94% votou pela eleição de Jair Bolsonaro em 2018. O partido de Suéllen é um dos cotados para filiação do presidente, que está sem sigla desde que deixou o PSL em novembro de 2019.
São José do Rio Preto, governada por Edinho Araújo (MDB), está no primeiro lugar da lista com 15,52% da população contaminada até o momento. Em segundo está Sertãozinho com 12,72% – e Wilson Fernandes Pires Filho (PSDB) na prefeitura e em terceiro, Piracicaba, governada por Luciano Almeida (DEM) e com 12% dos habitantes infectados.
A base aliada de Bolsonaro no Congresso Nacional é formada de 12 a 19 partidos políticos. Siglas como PSL, Patriota, DEM, PSC, Novo, PSDB, MDB, PP, Republicanos, PL, PSD e PTB apoiam mais de 90% dos projetos enviados pelo governo e defendem os mesmos interesses, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado. Os dez municípios listados como os mais afetados pela pandemia no interior paulista formam parte dessa base governista e suas populações elegeram Bolsonaro com porcentagens acima de 50% dos votos, segundo o Mapa da Apuração no Brasil.
Este levantamento foi realizado pelo Jornal Dois com base em dados de Prefeituras Municipais e levou em consideração cidades do interior de São Paulo com número de habitantes entre 100 e 500 mil pessoas.
A taxa de contaminação nas cidades do interior paulista ultrapassa a porcentagem da capital, que no momento tem 9,11% da população infectada.
A aderência ao isolamento social nos municípios listados ficou abaixo dos 50% em 2021, sendo que sete das dez cidades não chegaram a alcançar 40%. Informações do Sistema de Monitoramento Inteligente de São Paulo.
Segundo o Centro de Contingência do Coronavírus do Estado de São Paulo, um isolamento de pelo menos 70% da população seria o ideal para conter o avanço da covid-19.
O “Efeito Bolsonaro” na propagação da pandemia no Brasil é real: cidades em que Jair Bolsonaro mais recebeu votos têm, comprovadamente, mais casos e mortes pela covid-19. É o que demonstra um estudo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com o Instituto Francês de Pesquisa e Desenvolvimento (IRD).
A pesquisa cruzou dados da expansão do novo coronavírus com o resultado do 1º turno das eleições presidenciais de 2018 nos 5.570 municípios brasileiros. Para cada 10 pontos percentuais a mais de votos em Bolsonaro, existe aumento de 11% no número de casos de contaminação e de 12% no número de mortos.
“Podemos pensar que o discurso ambíguo do presidente induz seus partidários a adotarem com mais frequência comportamentos de risco [menos respeito às instruções de confinamento e uso da máscara] e a sofrer as consequências”, constata trecho do documento.
Negacionista, Jair Bolsonaro zomba dos mortos da pandemia ao simular falta de ar em suas transmissões ao vivo nas redes sociais, incentiva uso de medicamentos perigosos e ineficazes para tratamento da doença – remédios esses que têm, inclusive, provocado a morte de pessoas – promove aglomerações sem uso de máscaras e sem respeito ao distanciamento social, e tem seu governo investigado na CPI da Covid-19 pela má gestão da pandemia que causou mais de 400 mil mortes de brasileiros e brasileiras.
No dia 12 de abril deste ano, o chefe do Executivo utilizou as redes sociais para ressaltar sua defesa em prol da “liberdade” e para criticar governadores e prefeitos que aplicaram medidas restritivas. “Hoje você está tendo uma amostra do que é o comunismo e quem são os protótipos de ditadores, aqueles que decretam proibição de cultos, toque de recolher, expropriação de imóveis e restrições a deslocamentos”, escreveu.
A antropóloga Isabela Oliveira Kalil comenta que a posição dos eleitores sobre as medidas restritivas é fruto de uma interação entre a opinião individual e as declarações e políticas adotadas por vereadores, prefeitos e governadores, sendo que essas políticas podem reforçar ou barrar a posição de Bolsonaro sobre a pandemia e as formas de proteção.
Em Bauru, a média de adesão ao isolamento social entre janeiro e maio foi de 39%. Aos finais de semana, costuma subir para a casa dos 44%.
Com uma gestão marcada por falas e ações anti-isolamento, a prefeita bauruense rege uma política contrária às restrições impostas pelo Governo do Estado de São Paulo para tentar reduzir os casos de covid-19.
Em fevereiro de 2021 Bauru tinha 98% dos leitos de UTI ocupados e Suéllen Rosim foi às ruas protestar contra o fechamento do comércio ao lado de Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, sem uso de máscara e em meio à aglomeração. Naquele mesmo mês, a prefeita inaugurou uma igreja e desde então realiza cultos na cidade.
A Prefeitura de Bauru tentou, por duas vezes, ignorar o Plano de São Paulo e descumprir as orientações da fase vermelha na qual se encontrava o município. A Câmara Municipal chegou a aprovar uma lei que considerava bares e restaurantes como serviços essenciais, uma tentativa de enquadrar tais atividades no regulamento estatal, que previa o funcionamento apenas de serviços necessários à sobrevivência, saúde, abastecimento e segurança da população. Em ambos os casos, a prefeitura foi notificada e teve de recuar por decisão do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP).
Suéllen Rosim afirmou não ver o lockdown como uma maneira efetiva de controle do novo coronavírus. A prefeita respondeu aos críticos dizendo ser “realista” e questionou o efeito da medida em Araraquara, que teve quarentena decretada pelo prefeito Edinho Silva (PT), em fevereiro de 2021.
“[O lockdown] Não funcionaria em Bauru. Araraquara é prova disso. Os casos diminuíram, mas o número de mortes segue subindo. É um novo quadro com essas cepas. Não tenho dificuldade em tratar a realidade. Eu não sou negacionista, sou realista”, disse Suéllen.
No final de março, Araraquara teve queda de 57% do número de casos e diminuição de 39% na média semanal de mortes. Em 26 de março, quando o estado de São Paulo registrou recordes de mortes, Araraquara não teve nenhum óbito no período de 24 horas.
Bauru segue como um dos piores cenários da pandemia entre as cidades paulistas. Mesmo sem comprovação científica da eficácia dos remédios e com a contraindicação de especialistas, a prefeitura adquiriu em 2020 e afirma que irá comprar novamente os medicamentos do “kit covid”.
Abril foi o mês com mais mortes e mais infecções desde o começo da pandemia na cidade, que tem 42.071 casos confirmados e 831 mortos até o momento.
Maio começou registrando recorde de novos casos. Foram 1.475 casos positivos entre 27 de abril e 3 de maio. Já entre os dias 4 e 10, o município teve o segundo maior número de casos confirmados desde o começo da pandemia: 64% dos testes realizados no período deram positivo.
A porcentagem de pessoas imunizadas em Bauru é de 24,29%, sendo que 92.124 receberam a 1ª dose e 50.791 receberam a 2ª. Em relação aos leitos, a ocupação está acima dos 100% e opera além da capacidade da saúde municipal há mais de 50 dias.