Táxi perde 70% da clientela após chegada da Uber em Bauru

Serviço estreou em março e bandeiradas baixaram; em bairros longe do centro, ainda é difícil chamar carros pelo aplicativo

Reportagem publicada em 3 de maio de 2018

Por Bibiana Garrido

Faz quase dois meses que a Uber está funcionando em Bauru e, pelo que me conta seu Edson, são quase 100 motoristas cadastrados. “Tô trabalhando de Uber há duas semanas, antes eu era taxista”, diz ele, inclinando a cabeça para me olhar no banco de trás do carro.

O aplicativo foi lançado em 2009 e desde então o debate sobre sua regulamentação reaparece a cada nova cidade em que chega. Nas capitais brasileiras que tiveram Uber primeiro, o embate com taxistas levou à aprovação de um projeto de lei, em 2017, para tentar resolver a situação. Sancionada por Michel Temer em março de 2018, a lei passa aos municípios a responsabilidade de criar regras para o serviço.

Os táxis por aqui não são amarelos e o Uber também não é só preto; seja qual for a cor, em diversos lugares do mundo a relação entre os motoristas já foi motivo de debate (GIPHY/Reprodução)

Pedir transporte por celular não é novidade. O 99Taxi e 99Pop já funcionavam por aqui desde o final de 2017. Quase todo táxi e moto táxi tem disponível um número de WhatsApp para oferecer no cartãozinho depois da corrida. Algumas empresas bauruenses chegaram até a desenvolver aplicativo próprio, como a The Taxi.

Os preços atrativos e abaixo do mercado contribuíram para uma queda de 70% nas corridas de táxi desde que a Uber chegou. Essa é a avaliação do Sindicato dos Taxistas de Bauru.

“Não tem corrida pra todo mundo”

Para Vinícius Magalhães, taxista há 25 anos na cidade, a Uber é uma concorrência desleal. “Nós trabalhamos regulamentados, com todos os custos, INSS, ISS, nós pagamos recadastramento, temos antecedentes criminais tudo atrelado à Emdurb, ao poder público. Nós somos vistoriados e fiscalizados. Eles não têm nada”.

A regulamentação do serviço por aplicativo é o principal pedido dos taxistas. “Se eles tão ganhando alguma coisa com isso eu não sei”, questiona Vinícius, sobre o quanto ganham os motoristas de Uber. “Uma corrida do terminal rodoviário ao Centrinho, na Bandeira 1 do carro, vai dar RS17. Se você pega o aplicativo, o deles vai dar R$7 e ainda paga 25% pra Uber”. Nessa corrida hipotética, o motorista de Uber ficaria com R$5 para o próprio bolso.

São trezentos motoristas de táxi cadastrados na cidade, segundo o sindicato. Cada um deles, antes da chegada da Uber, tinha uma média de 60km rodados em corridas por dia. Hoje, chegam, no máximo, a 15km. “Pô, aqui tem pai de família. Nós tamo padecendo necessidade”, diz um motorista de táxi que preferiu não se identificar. “Tá empregando um monte de gente aí e tirando emprego de outros. Muitos [taxistas] não vão aguentar. Tá sufocando o pessoal aqui”, completa Vinícius.

O Sindicato dos Taxistas tem documentos protocolados na Emdurb, na prefeitura, na Câmara Municipal e no Ministério Público sobre a falta de segurança para os consumidores, pelo fato de os motoristas de Uber não serem submetidos aos mesmos critérios e fiscalização que os taxistas.

Documentos protocolados pelo Sindicato dos Taxistas de Bauru pedem a comunicação sobre falta de segurança da Uber à população (Foto: Bibiana Garrido/JORNAL DOIS)

“Pedimos para alertar a população porque o serviço ainda não é regulamentado. Em quatro dias o município analisou e arquivou o pedido indeferido, dizendo que só ia tomar providências depois da regulamentação. E até lá como fica?”, pergunta Vitor Tallão, presidente do sindicato.

Identificar os carros, colocar placa vermelha, ajustar o pagamento de impostos e limitar o número de Uber são algumas das medidas que poderiam ser tomadas com a regulamentação do serviço. Para os taxistas, isso traria equilíbrio e condições de igualdade para o trabalho. “Tá canibalizando o sistema”, avalia Vinícius. “Eles não ganham e nós deixamos de ganhar”.

O serviço de táxi é regulamentado desde a década de 1940 em Bauru. A partir de 1970, foi instituído o limite de números de táxi por habitante para equilibrar a qualidade da mão-de-obra e o preço cobrado. “Não tem corrida pra todo mundo”, conclui Vitor. “Nem que o táxi tenha que se readequar em alguns fatores, nós estamos sim repensando o serviço. Como entidade e como categoria, porque é uma nova realidade. Mas tem que ter justiça nisso”.

“Quando não pode com o inimigo, se junta a ele”

Seu Edson, cabelos e barba grisalhos, foi taxista por muitos anos até decidir virar Uber. Junto com seu sócio, financiou um carro para rodar de dia e de noite — cada um no seu período, diurno e noturno, dividem as despesas. Ele calcula que vão ser R$500 de economia mensal se comparado ao que pagava de impostos, taxas e aluguel do ponto fixo do táxi.

O trabalho como táxi rendeu ao motorista uma clientela conhecida, que vez ou outra dá aquela ligadinha para fazer uma corrida. “Como a maioria dos clientes meus era preço fixo, alguns a gente mantém”, conta ele.

Quando pergunto sobre a regulamentação, seu Edson concorda com a necessidade de novas medidas: “Acho bom pra organizar. Nem todos que são Uber hoje vai dar sequência. É uma febre, né? A gente quando não pode com o inimigo, se junta a ele”.

Do Sindicato dos Taxistas, o presidente também pensa que a proporção que o aplicativo tomou nas várias cidades e países em que está instalado se deve à moda. “Hoje, infelizmente, o Uber é a mesma coisa que chegar no balcão e você não pede um refrigerante. Você pede uma Coca-Cola. A marca ficou impregnada já”.

Uber Z.S.

A equipe do JORNAL DOIS fez o teste para pedir uma corrida de Uber a partir de dois pontos diferentes da cidade. Na Zona Oeste, Jd. Ouro Verde, e na Zona Sul, perto do Jd. América e Jd. Europa.

Para fechar uma corrida partindo do Ouro Verde, o motorista queria cobrar uma taxa extra, por fora do aplicativo, pelo deslocamento. Como não rondam veículos ali nas proximidades, sairia mais caro ir até o bairro buscar um cliente e depois voltar para a região central.

Quando não há muitos carros trabalhando, o aplicativo funciona em modo “dinâmico”, que aumenta o preço das corridas por conta da alta procura e pouca demanda de serviço. “É uma empresa, ela visa lucro. A ideia do aplicativo é quanto mais veículos melhor, porque eles só querem os 25%”, pontua Vitor. “Ninguém nega corrida perto. É muito longe? Eles não vão”.

Ubers estão concentrados nos arredores da Vila Universitária; no Jardim Ouro Verde, nenhum motorista próximo (Captura de tela/Reprodução)

“100% Uber não tem como trabalhar”, opina seu Edson sobre a remuneração do aplicativo. “É a quantidade e o volume de corridas que compensa, não o valor de cada corrida”.

Em volta da Vila Universitária é onde há maior demanda de corridas pelo aplicativo e onde ficam os motoristas. Dalber e Felipe trabalham de Uber há um mês, comentam que sempre tem gente chamando por ali. “De manhã também tem bastante movimento, pessoal indo pra faculdade. De noite e madrugada também”, explica Dalber, desempregado, que resolveu pegar o carro para tentar contribuir com uma renda extra em casa.

Felipe é mais novo, conseguiu o trabalho por conta de uma parceria que a Uber tem com locadoras de veículos. Ele paga um valor mensal e fica com o carro 24h por dia. “O movimento tá bom, ontem fiz quase 100 corridas”, diz ele. Conversamos em um sábado de manhã. “Maioria do pessoal é universitário, já conhecia o serviço de outras cidades que já funcionava”.

Nos arredores das avenidas Duque de Caxias, Nações Unidas e Rodrigues Alves, a falta de carros disponíveis pelo aplicativo acontece às vezes pela madrugada. É o que relatam usuários de Uber que pediram corridas durante a noite e não tiveram resposta.

“O aplicativo é um caminho sem volta. Nós entendemos isso. O que a categoria deseja é que haja uma regulamentação que dê condições iguais para todos”, resume o presidente do sindicato.

(Foto: Bibiana Garrido/JORNAL DOIS)