Sob segunda onda, desigualdade cresce no Enem 2020

Como aumento de casos de covid-19, possível contaminação em massa e a falta de condições de estudo durante a pandemia preocupam participantes da prova que é a principal porta de entrada para universidades no país

Publicado em 17 de janeiro de 2021

Primeiro dia de aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ocorre neste domingo (Foto: Agência Brasil/Reprodução)
Por Paula Bettelli
Edição Bibiana Garrido 

Por conta do risco de contaminação em massa pela covid-19 e reconhecendo as dificuldades enfrentadas pelos estudantes para se adaptarem ao cenário educacional em 2020, a principal porta de entrada em universidades do país, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que seria realizado em novembro, foi adiado para hoje. 

A primeira prova aplicada será na versão impressa, com o segundo dia de avaliação marcado para 24 de janeiro. Já a prova digital, que vai ter sua primeira edição este ano, acontecerá nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro.

Em 2020, em meio às mudanças trazidas pela pandemia da covid-19, as instituições de ensino, como escolas e cursos pré-vestibulares, precisaram se reorganizar em busca de adaptação à quarentena. Diante da impossibilidade de realizar aulas presenciais, o Ministério da Educação (MEC) determinou que os conteúdos fossem ensinados de forma digital.

Em Bauru, as escolas estaduais usaram a plataforma Centro de Mídias, fornecida pelo Governo do Estado, para dar continuidade às aulas. O formato apresentou problemas, principalmente para estudantes de famílias mais pobres. Entre os colégios particulares e cursos pré-vestibulares foram usadas diferentes plataformas, a depender da estrutura que dispunham a instituição e os alunos.

Foi assim, sem aulas presenciais e contando com meios online, que estudantes de todo o Brasil, com realidades econômicas e sociais distintas, tiveram que se preparar para os exames pré-vestibulares.

“Acho que deveria cancelar”

Aminy Ribeiro, aluna do cursinho pré-vestibular Primeiro de Maio, tem 19 anos e conta que quando as aulas presenciais foram canceladas, no início do isolamento social, ela e sua mãe improvisaram uma mesa no seu quarto para que pudesse se dedicar aos estudos, “nada muito bem planejado”, descreve. Aminy reforça que considera um privilégio o apoio familiar e a possibilidade de ter um local para se concentrar.

A estudante estudou a vida toda em escolas públicas da cidade e sonha em fazer um curso de nutrição. Diz que não tem certeza se está preparada para fazer a prova do Enem. “Nas questões de humanas é mais tranquilo, mas exatas eu tenho muita dificuldade e não consegui me dedicar nem um pouco”, comenta.

Ela relembra que, por problemas familiares, precisou interromper os estudos entre os meses de maio e outubro. Para Aminy, a prática de estudos à distância foi mais difícil do que imaginava. “É muito complicado, porque quando eu estou em casa lembro que tenho que lavar uma roupa, minha mãe às vezes me chama para fazer alguma coisa, desconcentra muito fácil. No presencial você é forçado a prestar atenção”.

Aminy faz parte dos estudantes que defendem o adiamento da prova, e revela que sente medo de sair da sua casa para dividir espaço com outras pessoas em um ambiente fechado.

“Na verdade eu acho que deveria cancelar, porque é uma prova muito grande, é aglomeração na certa. A segunda onda está aí, todo dia a gente vê aumento de casos. Eu estou bem com medo de fazer o Enem, mas se eles não cancelarem tenho que ir, né?”.

“Alunos foram parando de entregar tarefas”

“A maior parte dos alunos foi excluída do processo por questão de ordem material”. Essa é a conclusão de Wellington Dias, professor de história e geografia, que resgata a importância das escolas na formação dos alunos para além do conteúdo curricular. “Passar 5 horas por dia vendo aulas de diversas matérias exige um grau de autodidatismo muito grande. É dentro das instituições escolares onde eles aprendem uma forma de pensar e disciplinar o próprio corpo para se submeter a horas exaustivas de estudo”.

No ano passado, o professor atuou em três escolas estaduais de Bauru: Maria Aparecida Maschietto Okazaki, Plínio Ferraz e Marta Barbosa Hjertquist Barbosa. Ele deu aulas para o Ensino Fundamental II e, em momentos pontuais, substituiu docentes nas turmas do Ensino Médio. Também estudante de pedagogia, Wellington afirma que poucos foram os retornos de alunos às suas aulas e às tarefas que atribuía durante a pandemia. 

“Nenhum aluno, em nenhuma circunstância, salvo raras exceções, entregou o trabalho no prazo. Quatro alunos de quarenta devolveram alguma coisa. Eles foram gradualmente parando de fazer [as tarefas]”. 

Ele observa que a falta de concentração não é o único motivo pelo qual os alunos não estão presentes nas aulas online. Problemas para se conectar à internet, dificuldade em mexer nos aplicativos e questões pessoais também pesam na balança e deixam ainda mais complexo o processo de manter os estudos em dia.

“Tinha energia elétrica? Havia telefone celular para assistir às aulas e acessar o WhatsApp? O celular tinha uma câmera para bater a foto [das atividades]? Sabia fazer a manutenção do aparelho com memória lotada? Conseguia pagar para manter a linha funcionando?”, questiona, diante da estrutura que é necessária para um ensino remoto, e que, muitas vezes, ficou na responsabilidade dos alunos e suas famílias para conseguir.

Adia Enem

Algumas cidades brasileiras suspenderam a aplicação do exame, como é o caso do estado do Amazonas, conforme decreto divulgado pelo governo do estado na quinta-feira (13). O argumento que sustenta a decisão é o aumento de casos de covid-19 na região. Por lá, o Enem deverá ocorrer nos dias 23 e 24 de fevereiro, conforme divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Em Bauru, os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) registraram 90% de ocupação no sábado (16) para pacientes com casos graves de covid-19. Classificada como uma das 43 cidades paulistas em estado de alerta devido a ocupação hospitalar, a cidade passou da fase amarela para a fase laranja do Plano São Paulo na sexta-feira (15). Ainda ontem, a Prefeitura de Bauru emitiu um decreto adequando o município à nova classificação com algumas diferenças em relação à determinação do Estado, como a possibilidade dos bares continuarem abertos e recebendo pessoas.

A frase “Adia Enem Ultimato”, que estava entre as mais faladas no Twitter neste sábado (16), faz parte de uma série de manifestações de pré-vestibulandos e educadores pedindo o adiamento da prova.

Essa reivindicação popular se refletiu na enquete organizada pelo Ministério da Educação em julho de 2020, na qual 50% dos inscritos que responderam, votaram para que a prova fosse aplicada em maio de 2021.

A Defensoria Pública da União e o Ministério Público, com apoio de entidades estudantis, fizeram pedido à Justiça por um segundo adiamento do Enem. O pedido foi negado pela Justiça Federal na terça-feira (12), em decisão assinada pela juíza Marisa Cucio, da 12ª Vara Cível Federal de São Paulo. 

Ela afirma entender que as medidas tomadas pelo Inep “são adequadas para viabilizar a realização das provas nas datas previstas, sem deixar de confiar na responsabilidade do cuidado individual de cada participante e nas autoridades sanitárias locais que definirão a necessidade de restrição de circulação de pessoas, caso necessário”.

Entre as medidas de segurança para realização da prova estão a obrigatoriedade do uso de máscara pelos candidatos e aplicadores, a possibilidade de reaplicação para inscritos com sintomas da covid-19, uso de 50% da capacidade das salas e salas específicas para candidatos do grupo de risco. Além disso, esse ano os portões abrirão às 11h30, meia hora mais cedo que nas provas anteriores, com o objetivo de evitar aglomeração.

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