“Sem recursos, mas permanecendo”: reflexões sobre a arte e o artista independentes

Após período de restrições, mercado de trabalho artístico cultural começa a se recompor com artistas optando por produzir de maneira independente. Mas o que é a Arte Independente? Independente de quê ou quem?

Publicado em 12 de novembro de 2021

Com ausência de políticas públicas de incentivo à cultura, Festival Sonora e livro "Poêmico" marcaram o cenário da arte independente de Bauru em 2021 (Ilustração: Cátia Machado)
Por Cátia Machado*, colunista do J2 

Que o artista tem tido uma vida bastante precária, desde o início da pandemia, isso já é mais do que notório. Como também é de conhecimento geral que a precariedade do trabalhador da arte e da cultura não é “privilégio” apenas dos tempos pandêmicos.

O mercado de trabalho artístico cultural começa a se recompor só agora, depois de períodos de restrição, com muitos artistas optando por fazer suas produções de forma independente.

Neste meio tempo, singles, lives, redes sociais e tantas formas de streaming despontaram como alternativa possível para que esta categoria pudesse sobreviver para além das novas relações de trabalho fincadas, cada vez mais, no neoliberalismo.

Guerreiros e guerreiras da arte, que é a forma mais apropriada que temos para chamá-los, são responsáveis por muitas obras locais de qualidade.

O que é Arte independente? Quem é o artista independente?

De maneira geral, podemos identificar alguns tipos de artistas independentes, sem extinguir outras possibilidades:

1) Aquele que já alcançou certo reconhecimento e, em dado momento da carreira, define que já não precisa se submeter às regras e condições do mercado. Escolhe quais caminhos seguir, “onde, como, quando e qual” obra vai realizar, cria seus próprios selos, marcas e produtoras, a fim de continuar seu fazer artístico com autonomia financeira. Poucos se identificam com esta situação, mas estes são os que inspiram tantos a permanecerem lutando, criando e acreditando;

2) Aquele, ainda, que não se tornou conhecido do grande público e trabalha, a duras penas, para buscar um lugar ao sol nesta missão de fazer arte e viver deste ofício com dignidade. Aqui se encontra a maior parte dos artistas, tantas vezes se submetendo à alienação de sua carreira e produção artística ou, outras tantas vezes, se adequando às expectativas do mercado em detrimento de seus próprios valores e conceitos;

3) Outros, desistindo de viver da Arte, praticam-na como hobby, enquanto têm um outro ofício que os sustenta. Mais livres nas suas produções, muitas vezes não executam suas melhores versões artísticas, pois são engolidos pelo tempo e demandas do dia-a-dia e da vida;

4) E os artistas de rua, os marginalizados, os periféricos, socialmente tendo suas expressões artísticas minimizadas como obra inferior ou não compreendidas, ideologicamente, pela sociedade. Aqui, neste grupo, também habitam os loucos e os gênios incompreendidos, os oprimidos, as minorias, os excluídos.

Volto à pergunta: quem é o artista independente nesta fila do pão?

Em sua maioria, é aquele abandonado pelo mercado, na necessidade de sobreviver, que faz arte por amor, ou fé, ou missão, mas que vende um rim para poder continuar fazendo. Artista independente é romantizar a crueldade na falta de democratização de acessos e divulgação, na subprecificação da arte sem rótulo ou etiqueta, quase sempre vinculados a interesses econômicos.

E a questão é mais subliminar. Independente do quê, ou de quem?

Um dos sinônimos da palavra “independente” é “livre”.

Assim como na “abolição da escravatura”, os oprimidos foram considerados livres e soltos em um mundo profundamente hostil às suas existências. Vejo artistas independentes também assim. Soltos por aí, perdidos em uma realidade na qual a arte e a cultura são produtos de desclassificados, ainda mais quando provocam reflexão ou contradição ao sistema.

Aqui em Bauru, tivemos alguns eventos que bem simbolizam o quanto o fazer artístico vale por si só.

Vamos começar pelo Sonora – Festival Internacional de Compositoras, que ocorreu no dia 22 de outubro, por meio de uma Live, com mais de cinco horas de duração, no canal do Youtube Sonora Festival Bauru. O Festival contou com 10 compositoras em apresentações ao vivo, e outras apresentações por meio de vídeos gravados e selecionados pela curadoria do projeto. Trata-se da quarta edição do festival na cidade, sendo as duas últimas em versão online, todas produzidas voluntariamente e por meio de patrocínios para contratação da estrutura necessária e a execução do evento.

Ainda houve a venda de produtos com a marca Sonora e arrecadação de doações feitas por quem assistia a live. Para esse evento, algumas cidades obtiveram incentivo de verbas públicas, mas, em terras bauruenses, apesar deste projeto já ter sido apresentado algumas vezes, nunca esteve entre os contemplados para receber o fomento.

Em 2021, o evento contou com uma belíssima parceria com o SESC Bauru, que disponibilizou espaço para as apresentações – as quais continuam disponíveis aos apreciadores da boa música. O Sonora – Festival Internacional de Compositoras é uma iniciativa de mulheres, visando a inclusão do gênero na criação de um espaço artístico com predominância feminina. São 17 países e 74 cidades envolvidas nesta egrégora mundial e vale cada segundo dos shows disponibilizados. Não deixem de assistir a edição local!

Seguindo, temos o lançamento do livro “Poêmico”, do grupo Expressão Poética. O grupo existe há 22 anos e, desde então, já lançou 11 obras. Nesta última coletânea estão presentes 52 autores, entre estreantes e escritores mais experientes. Algumas das edições anteriores tiveram suas publicações financiadas por meio de políticas públicas de incentivo à cultura. Porém, neste ano de 2021, justamente num momento de maior necessidade, teve de ser financiado pelos próprios escritores. Seus exemplares estão à disposição dos autores para venda, distribuição ou outro fim, conforme opção de cada artista. Alguns exemplares foram disponibilizados para bibliotecas públicas e espaços culturais. Mais informações, confira as redes sociais do grupo Expressão Poética.

Deixemos aqui nossa manifestação de apoio à toda arte produzida desta forma, aguerrida, na luta, na esperança de nunca desistir, sem recursos e, mesmo assim, permanecendo.

A arte vai mudar o mundo.
O artista sonha esta utopia, até que ela seja real!

*Cátia Machado é cantora e membro do Conselho Municipal de Cultura.

As colunas são um espaço de opinião. Posições e argumentos expressos neste espaço não necessariamente refletem o ponto de vista do Jornal Dois.
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