Bauru faz parte de uma das rotas mais antigas do tráfico de drogas

(Foto: Camila Cagliolo/ Behance)

Por Elisa Espósito

Em várias cidades do interior paulista é possível avistar aquela imagem típica: ruas tranquilas, sem trânsito, cortadas por estradas cercadas de plantações de cana-de-açúcar. Afinal, a região é responsável por 54% da produção nacional, segundo dados do Sistema de Acompanhamento de Produção Canavieira (Sapcana), ligado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Quem viaja pelas rodovias do estado de São Paulo não imagina que este cenário de canaviais é pano de fundo para o crime organizado. Drogas, contrabando e pistas aéreas clandestinas fazem parte de uma das mais antigas rotas internacionais do tráfico de drogas: a Rota Caipira.

Estamos falando de cidades como São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Presidente Prudente, Marília, Piracicaba e Bauru, município mais populoso do centro-oeste paulista que não poderia ficar de fora desta lista.

Mas por que o interior paulista está entre as áreas prediletas quando o assunto é tráfico de drogas?

O jornalista investigativo Allan de Abreu dedicou cerca de 15 anos de sua carreira para entender as engrenagens do narcotráfico no país. Nesse período, Abreu entrevistou policiais, juízes, promotores, traficantes e cocaleiros de diversos países. Milhares destes documentos, a maior parte inéditos, foram reunidos no livro “Cocaína — A Rota Caipira. O narcotráfico no principal corredor de drogas do Brasil”.

Allan de Abreu ao lado de sua obra Rota Caipira (Foto: Allan de Abreu / Acervo pessoal)

Segundo Abreu, “Bauru, assim como o norte paulista, é estratégica para o narcotráfico por estar entre os países produtores da cocaína, notadamente a Bolívia, e os grandes centros consumidores da droga, Rio e São Paulo, sem contar o porto de Santos, por onde o entorpecente é escoado para a África e Europa. Por isso a rota caipira é considerada o principal corredor do narcotráfico no Brasil”.

Além da geografia favorável, outro fator que torna a região ainda mais atrativa é a própria existência de plantações de cana. Quase um quarto da pulverização das lavouras é feita por transporte aéreo, deixando o país com a marca de 1,9 mil aeronaves agrícolas, a segunda maior frota do mundo. O primeiro colocado são os Estados Unidos, segundo pesquisa do Registro Aeronáutico Brasileiro de 2013.

“Como a cana costuma utilizar pulverização aérea, é comum a existência de pistas de pouso improvisadas no meio das plantações. Além disso, normalmente a plantação ocupa áreas planas para facilitar a colheita mecanizada. Essas pistas são o paraíso para o transporte aéreo da cocaína, porque possibilitam pouso seguro em áreas remotas.” explica Abreu.

Vindo de aeronaves que saem da Bolívia ou do Paraguai, o jornalista afirma ser comum o carregamento de cerca de 600 kg de cocaína. Depois do transporte aéreo o escoamento da droga passa a ser terrestre. Os pacotes são transportados em caminhões, caminhonetes ou carros até os grandes centros.

Pela facilidade de escoamento, os números do tráfico de drogas dispararam na região de Bauru, com um aumento de 21% dos casos, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, saltando de 457 ocorrências em 2016 para 553 em 2017.

Na interpretação de Abreu, em seu trabalho investigativo o jornalista acredita que “nos últimos anos, o tráfico de drogas aumentou, uma vez que se enfraqueceram muito as ferramentas de inteligência da polícia, como a interceptação telefônica”.

Um dos fatores que prejudica a atuação da Polícia Civil, é o desaparelhamento da instituição. Pesquisa realizada em 2017 pelo Instituto Sou da Paz, com base em estatísticas oficiais da Secretaria de Segurança Pública, aponta que de cada dez prisões que acontecem no Estado de São Paulo, sete são em flagrante. A maior parte delas, 70%, são efetuadas pela Polícia Militar.

O jornalista Allan de Abreu acabou presenciando esse “sucateamento” da Polícia Civil e explica: “Sem um trabalho de inteligência amplo, o combate ao narcotráfico fica restrito ao varejo, com prisões numerosas que não oneram as quadrilhas, já que os detidos são facilmente substituídos. É necessário combater a estrutura financeira das quadrilhas, quebrando suas estratégias de financiamento. Só assim o combate ao narcotráfico pode ter algum grau de sucesso”.