Roque Ferreira recebe homenagem na Esquina da Resistência um ano após sua morte

Familiares, amigos e companheiros de militância estiveram presentes na intervenção e lembraram a memória do ferroviário e ex-vereador; Roque teve ampla atuação em movimentos políticos de rua e institucionais, e também atuou entre a classe artística bauruense

Publicado em 4 de setembro de 2021

À esquerda, Tatiana Calmon, ex-companheira de Roque, ao lado de Dandara Tierra e Vinicius Tierra, filhos do homenageado (Foto: Camila Araujo/Jornal Dois)
Por Camila Araujo 

Uma bandeira vermelha com o nome de Roque Presente foi o pano de fundo da homenagem ao ferroviário, sindicalista, ex-vereador e militante socialista na manhã deste sábado, 4 de setembro, em que se completa um ano de sua morte por covid-19.

A Esquina da Resistência, (Calçadão da Batista com a Rua Treze de Maio) foi o palco do ato. Uma banca, do projeto Biblioteca Móvel Quinto Elemento, com a placa “livros grátis” compunha o cenário junto ao comércio de rua de bijuterias e acessórios das artesãs de Greice Kelly e Maísa Crespa. Foi durante o mandato de Roque Ferreira na Câmara Municipal que a apresentação e exposição de artistas em espaços públicos virou lei, fruto de um projeto proposto pelo ex-vereador.

Roque também participou da construção simbólica da Esquina da Resistência, ponto histórico de encontros de militantes, sindicalistas e agentes políticos de esquerda, palco de intervenções políticas e sociais ao longo dos últimos 40 anos em Bauru. Silvio Durante, professor de História, lembrou de quando o local recebeu o nome que o marca até hoje.

Foi em 1982, no lançamento da Revista Quilombo do Movimento Negro Unificado, que uma viatura Polícia Militar chegou para tentar dispersar um grupo de pessoas que ali se encontrava. A discussão sobre o racismo era considerada uma agitação política que violava as regras de segurança da então vigente ditadura militar. Segundo o professor, foi graças ao enfrentamento e à resistência de Roque e de outros militantes presentes que a PM desistiu da operação. “O sentido da esquina é ser um espaço democrático”, afirmou Sílvio.

Gilberto Truijo, advogado, lembra que esteve ao lado de Roque na instituição do Conselho Municipal de Direitos Humanos e na elaboração do Plano Municipal de Direitos Humanos, além da Comissão da Verdade. “Roque vai morar pra sempre no meu coração”, disse.

Almir Ribeiro, professor de História, descreveu Roque como “imprescindível”, lembrando dos mais de 40 anos de amizade entre os dois. De colegas de faculdade a amigos e irmãos, contou. “Roque era como um rio, não conhecia seu destino, mas diferente dos rios, ele não tinha margens”, declarou o professor.

Para Leandro Siqueira, professor universitário e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), a intervenção desta manhã representa “um pouquinho do que ele merece e construiu”. O militante lembrou que Roque colocava tijolos no mundo e defendeu que essa construção deve continuar. “Nossa primeira tarefa é tirar o Bolsonaro já!”, afirmou. Leandro disse que é preciso uma mobilização nacional para a greve geral, “como Roque nos ensinou por toda sua vida”.

“Para ser um comunista, é preciso encher o coração de amor e ternura, e Roque era imbuído desse amor”, declarou Vagner Crusco, membro do Partido da Causa Operária e representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Ele disse que é preciso unir forças porque “divididos não somos nada”.

O diretor regional do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo Ricardo Santana lembrou uma cena que descreveu como um dos últimos enfrentamentos da vida de Roque Ferreira. Foi em 2019 quando a polícia invadiu, nas palavras dele, o prédio onde ficava a rádio 94FM exigindo que a emissora retirasse do ar uma enquete que perguntava para a população sobre o excludente de ilicitude, mecanismo de defesa que pode ser usando para desresponsabilizar a polícia caso ela tenha cometido um assassinato ou alguma ação ilegal. Ele conta que, mesmo sem estar diretamente envolvido com o ocorrido, Roque assumiu o diálogo com a polícia. “Ele era assim: não fugia da briga, sempre estava a disposição”, comentou.

Greice Kelly, artesã, disse que Roque a ensinou que para combater o racismo é preciso ter consciência de classe. A comerciante lembrou que a Lei do Artesão, que permite a ocupação do solo urbano por artistas de rua, foi aprovada durante seu mandato. E que “apesar de os lojistas nos olharam estranho, não estamos aqui para competir, estamos aqui porque esse espaço é nosso, é público”.

Ao final da homenagem, Tatiana Calmon, companheira de Roque, afirmou que o marido estava presente na Esquina da Resistência “independente de período eleitoral”, e que a covid-19 não calou a sua voz “que está reverberando em cada um de nós”.

Ela também criticou a disputa política em torno da memória de Roque e afirmou que “quem convoca esse ato é a classe trabalhadora”.

“A emancipação dos trabalhadores é tarefa de cada um de nós”, concluiu.

O ato foi encerrado com o canto entoado da Internacional Comunista. Alexandre Madl, Wander Valencio,  Priscila Lellis, Tauan Mateus, Filipe Fil, Jorge Moura, Esso Maciel e a vereadora Estela Almagro (PT) também fizeram falas ao homenageado, e o músico Júlio Miguel, conhecido como Júlio Wolverine, tocou na gaita a música “Medo de Avião”, de Belchior. 

Errata: o nome da Esquina da Resistência foi convencionado apenas anos mais tarde nos anos 2000, rememorando o evento ocorrido em 1982. Atualizamos no dia 5.

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