PROAC 2021: na luta por recursos, setor cultural se prepara para editais

As inscrições para o PROAC 2021 estão abertas. Em 2020, Bauru contou com 36 projetos aprovados. Os artistas comentam o processo de produção e criação e apresentam perspectivas para o cenário atual
 

Publicado em 16 de junho de 2021

Por Joyce Rodrigues

Artistas, trabalhadores da cultura e de eventos fazem parte de um setor cujas atividades foram reduzidas e, em muitos casos, inviabilizadas por causa da pandemia de covid-19. Para esse grupo, os editais públicos de transferência de dinheiro representaram alívio financeiro e até a própria sobrevivência. 

Em Bauru, os mecanismos adotados em 2020, das instâncias federal, estaduais e municipais, refletiram no fazer cultural da cidade. Fizeram repensar a importância e necessidade dos apoios estatais à produção de arte e trazem questionamentos sobre a continuidade das verbas, em um ano de 2021 em que a pandemia segue matando pessoas e paralisando atividades pelo país.

Em pesquisa realizada pela UNESCO em setembro de 2020, o setor cultural aparece como um dos ramos mais impactados pela pandemia no Brasil. De acordo com o estudo, 48,88% dos trabalhadores da cultura do país teve uma redução de 100% em sua renda entre maio e julho de 2020. A destinação de recursos públicos para a área tem sido um dos principais mecanismos de auxílio aos profissionais neste período.

Os editais publicados estão com as inscrições abertas. O Programa de Ação Cultural (PROAC), conhecido como um dos principais agentes de fomento à cultura no estado de São Paulo, é um deles. No primeiro ano da pandemia, o investimento de R$ 177,18 milhões da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo viabilizou mais de 4 mil projetos culturais e artísticos no estado. Para 2021, a Secretaria anunciou o valor de R$ 200 milhões destinados ao programa – investimento recorde que pretende beneficiar cerca de 9.340 projetos. 

Em Bauru, 36 projetos foram aprovados e beneficiados pelo PROAC Expresso LAB em 2020. Entre premiações, licenciamento de conteúdo e realização de festivais, mais de R$ 2 milhões foram destinados ao município através do programa. 

Mesmo com as proporções do fomento paulista, a pasta – comandada por Sérgio Sá Leitão, ex-ministro da Cultura do governo Michel Temer – recebeu críticas de pessoas ligadas a movimentos artísticos e culturais no Estado, depois do anúncio de acabar com uma das modalidades do Proac. O governo recuou e prometeu voltar com a linha em 2022. A medida, que funciona por meio de isenção fiscal (desconto de impostos) para empresas, não tem expressividade em Bauru (leia sobre isso mais adiante na reportagem).

Desafios e possibilidades

Etiene Amaro, artista circense conhecida como Tica, foi aprovada no PROAC Expresso LAB de 2020 na categoria de licenciamento de conteúdo para exibição online. Ao contrário da maioria dos proponentes, geralmente inscritos como pessoa jurídica, Tica teve acesso ao recurso através da inscrição de pessoa física.

Acostumada com os palcos, a artista encontrou no audiovisual uma nova forma de experimentação no seu trabalho. “Eu não conhecia como funcionava essa área e o que é preciso. A gente tem uma ideia do que fazer que às vezes funciona no palco, mas dentro do audiovisual talvez não aconteça da forma que a gente espera”. 

Com o valor de R$ 15 mil disponibilizado para a realização do trabalho, uma equipe formada por cinco artistas e dois produtores audiovisuais se revezaram para produzir as gravações. “Cada um ficou com quatro, cinco funções. O audiovisual é um outro universo que realmente exige bastante recurso”, relata.

Pedro Luiz Blanc, Robson Santos, Tica Amaro, André Matiello e Dennis Gomes revezaram funções para construir o projeto. (Foto: Tica Amaro/Arquivo)

A necessidade de ser “multitarefa” é algo presente na maioria dos grupos que se inscrevem para utilizar os recursos. Durante a criação e escrita de projetos, os artistas se vêem realizando funções para além da criação e expressão artística. 

Neste processo de tornar-se produtor de seu próprio trabalho artístico, a parte criativa acaba se aliando ao estudo e pesquisa de trâmites financeiros e burocráticos exigidos pelos editais. Andressa Francelino é diretora artística e executiva do Festival de Artes Cênicas de Bauru (FACE), e assim como Tica Amaro, é formada em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Ambas contam que tiveram contato com a escrita de projetos durante a formação, mas foi durante o trabalho pós formação que ambas tiveram contato com a produção de fato. 

Para Andressa, o contato com projetos que já haviam sido aprovados em outros editais foi o que a ajudou a escrever seus próprios materiais. Antes desse contato, chegou a pensar que nunca seria aprovada. “Demora um pouquinho pra gente conseguir o primeiro projeto. Às vezes eu escrevia de maneira muito abstrata, e comecei a perceber que necessitava de uma objetividade. Foi a partir do contato com projeto aprovado que eu consegui aprovar o meu primeiro projeto”, conta a diretora.

Cursos gratuitos e pesquisas individuais também ajudam a complementar o repertório para a produção cultural. Como exemplo, Tica cita o Manual de Projetos Culturais disponibilizado gratuitamente pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro Empresas (SEBRAE).

José Vinagre, produtor cultural e tesoureiro da Sociedade Amigos da Cultura (SAC) de Bauru, fez parte da comissão de avaliação de projetos do PROAC nos anos de 2015 e 2016. Ele aponta o crescimento do interesse dos artistas em relação ao programa, e a ampliação da democratização da informação sobre os processos de inscrição. “Hoje são vários grupos que trocam experiências e contribuem para o saneamento de dúvidas”, relata.

Ana Evaristo, produtora artística do festival Fuzuê Tropikali, identifica a troca de experiências como elemento essencial para a cidade: “É perigoso se fechar numa “bolha de criação”. Eu não entendia a importância do diálogo do artista com essas políticas públicas”.

Para ela, Bauru conta com muitos artistas e produtores veteranos no ramo que se dispõem a ajudar no esclarecimento de dúvidas e dicas de criação de projetos. “Tem gente com trabalhos incríveis que estão estacionados porque não tem direcionamento. É importante a gente criar ferramentas de autoprodução”, pontua.

Impactos

O impacto na economia local é um dos principais fatores que ressaltam a importância das políticas públicas como o PROAC. Recentemente, a prefeita Suéllen Rosim (Patriota) anunciou o corte de mais de R$ 1 milhão destinados à pasta da cultura. A medida foi criticada pelo setor cultural  e artístico da cidade, Em matéria publicada pelo Jornal Dois, os trabalhadores da cultura declararam se sentirem desamparados pelo poder público para continuarem exercendo suas atividades.

Criado em 2006, foi só em 2014 que se implementou uma cota mínima de 50% na aprovação de projetos sediados no interior paulista inscritos no PROAC. A conquista é fruto do trabalho do Fórum do Litoral, Interior e Grande São Paulo (FLIGSP), e contribuiu com o aumento do interesse no programa por parte de artistas fora da Grande São Paulo.

A expansão do fórum ocorreu em diferentes áreas do estado, e hoje Bauru também conta com o seu próprio Fórum Regional de Cultura, que conta com diferentes outros profissionais da cultura que se voluntariam para cuidar da organização. Em sua página do Instagram, o fórum divulga editais, reuniões e encontros para discutir políticas públicas em âmbito municipal.

Com a contratação de profissionais da cultura, fornecedores de equipamentos, de alimentos e veículos de mídia, uma cadeia de trabalho é formada e a remuneração de profissionais de diferentes áreas se torna viável. Para Andressa Francelino, que dirige o FACE, além de fortalecer financeiramente trabalhadores da cidade, o apoio do edital contribui para expandir as referências culturais em Bauru. A gente consegue trazer e referencializar o público bauruense, dar a oportunidade de ter contato com obras que dificilmente esse público teria contato”.

Primeira reunião do Fórum do Litoral, Interior e Grande São Paulo, realizado em 2008 e sediado no Automóvel Clube de Bauru (Foto: José Vinagre/Arquivo)
Entraves

Em janeiro deste ano, o governo do estado de São Paulo anunciou o cancelamento do PROAC ICMS nos anos de 2021, 2022 e 2023. A modalidade funciona através da renúncia fiscal, onde os projetos previamente aprovados pela Secretaria da Cultura de São Paulo são autorizados a captar recursos e patrocínio de empresas privadas, que podem descontar o valor do investimento no ICMS devido. 

Após sofrer críticas de diferentes movimentos culturais e artísticos do estado, o secretário de Cultura e Economia Criativa Sérgio Sá Leitão anunciou a volta da modalidade para o ano de 2022. Na edição atual, o PROAC ICMS foi substituído pelo PROAC Direto – fomento dividido em quatro segmentos que visa contemplar projetos enviados em 2019 e 2020 para a captação de recursos, premiar artistas de diferentes áreas e conceder verba pública para a realização de novos projetos inscritos. O edital possui a verba de R$ 100 milhões, mesmo valor destinado para o PROAC ICMS no ano anterior. Neste ano, os recursos serão disponibilizados diretamente para os projetos aprovados, sem que precisem da captação de recursos das empresas privadas para serem realizados. 

Apesar de contar com eventos de grande porte, como a maior Semana do Hip Hop da América Latina, em Bauru o PROAC ICMS não possui expressividade. Para José Vinagre, a dificuldade e a demora dos processos de captação de recursos é um dos principais motivos para a baixa aderência da modalidade na cidade, além da pouca experiência das empresas privadas de Bauru em apoio a projetos culturais. “Já vi, mais de uma vez, empresas locais apoiando projetos de grupos de fora da cidade, com pouco ou quase nenhum retorno, seja de exposição de marca ou de retorno social e cultural”. 

A burocracia envolvida também contribui para que os artistas e produtores tenham dificuldades na hora da inscrição do projeto. Mariana Vita é produtora da Tomographia Filmes e uma das organizadoras do coletivo audiovisual Plano Conjunto, que se propõe a discutir pautas relacionadas a políticas públicas de incentivo à cultura e formas de produzir cinema independente na cidade.

Em 2018, Mariana foi contemplada pelo edital de Estímulo a Curta Metragem com a obra “Ressentimento”. Diferente das outras modalidades voltadas para o audiovisual – que exigem que o proponente possua cadastro há mais de dois anos na Agência Nacional de Cinema (ANCINE) – o Estímulo a Curta Metragem era a única linha que permitia a inscrição de pessoas físicas. 

O cadastro na ANCINE, que é exigido pelos editais, é um dos fatores que impedem a inscrição de produtoras independentes, que dificilmente possuem recursos para se formalizarem como pessoa jurídica. Para Mariana, é importante que os editais emergenciais – como é o caso dos editais realizados através da Lei Aldir Blanc – contem com mecanismos burocráticos mais flexíveis. “Você tem que facilitar o máximo possível para que mais gente tenha acesso ao edital. É um edital emergencial, não é uma política pública regular que está lá todos os anos. Nesse caso, ele precisa ser acessível”, pontua.

Palcos virtuais

Sem a possibilidade de realizar eventos presenciais, trabalhadores da cultura local buscaram uma forma de se reinventar em meio ao isolamento social. Com a ideia de divulgar artistas da cidade e da região, produtores de Bauru formaram o coletivo Fuzuê 014.

Tendo a internet como sua principal plataforma de trabalho, o Fuzuê 014 realizou em março de 2021 o festival “Fuzuê Tropikali”. Em três dias de programação ao vivo no canal do Youtube do coletivo, foram exibidas mais de 60 apresentações com artistas de diferentes segmentos. 

Com o apoio de R$ 200 mil viabilizados através do edital PROAC Expresso LAB, o projeto contratou cerca de 80 profissionais da cultura, entre produtores, comunicadores, cenógrafos e técnicos. Além disso, remunerou os artistas que se apresentaram.

Fuzuê Tropikali contou com três dias de programação ao vivo transmitidas no Youtube. (Foto: Victor Reversi/Reprodução)

Este foi o primeiro projeto do coletivo realizado a partir de verba pública. Antes de ser aprovado no edital, o Fuzuê apresentou mais de 400 artistas do centro-oeste paulista de forma voluntária em sua página no Instagram, que hoje reúne mais de 4 mil seguidores. 

A primeira edição do Fuzuê contou com postagens na página do instagram do coletivo divulgando trabalhos artísticos de diversas categorias. O projeto contou com apresentações de dança, circo, teatro, poesia, artesanato e artes visuais, além de lives e bate-papos transmitidos de forma caseira pelos artistas convidados. “Vejo que essas iniciativas independentes trouxeram um respiro para a cultura regional. A gente conta com poucas iniciativas públicas para manter os artistas trabalhando”, afirma Matheus Anastácio, produtor do festival.

Trabalhando de forma remota desde o ano passado, a equipe do coletivo se reuniu pela primeira vez na realização do Fuzuê Tropikali. Ana Evaristo, diretora artística do festival, conta que a experiência de exibição online aliada à realização presencial foi importante para destacar a atuação cultural da cidade. “Estamos sobrevivendo, mas a esperança é que a gente viva plenamente enquanto artista e produtor. Fazer com que as pessoas entendam a importância do nosso trabalho”, ressalta.

Dom Black foi um dos primeiros artistas a se apresentar no Fuzuê em 2020. O rapper esteve de volta aos palcos para a segunda edição. (Foto: Victor Reversi/FUZUÊ)

As artes cênicas também tiveram espaço durante a pandemia. Contemplado pelo edital do PROAC em 2019, o Festival de Artes Cênicas de Bauru (FACE) precisou se adaptar ao modelo virtual para realizar sua exibição em 2020.

O FACE foi apresentado pela primeira vez em 2012, e desde a edição de 2018 conta com o apoio financeiro do programa. Em sua última edição, contou com 56 atividades, entre espetáculos nacionais e internacionais, oficinas, debates e exibições audiovisuais.

Andressa Francelino, que dirige o festival, relata ter ficado surpresa com o alcance. “A gente teve vários parceiros de Bauru que não puderam contribuir com o evento porque estava incerto para eles também. Tivemos que abrir mão do controle e ver o que ia acontecer. Fiquei bastante receosa achando que não tinha público”, desabafa.

O retorno foi uma surpresa para a organização, que tem cerca de 20 profissionais na equipe. O novo formato online fez com que o festival pudesse ultrapassar os limites geográficos. “Vimos pessoas da Noruega, da Suíça, agradecendo pela oportunidade de assistir a São Paulo Companhia de Dança. A gente chegou a ter mil pessoas assistindo juntas a um espetáculo”.

Depois de nove edições, o FACE Bauru conquistou reconhecimento a nível nacional e conseguiu se estabelecer no cenário nacional de festivais. Com isso, os artistas bauruenses também saem ganhando. “É ter também os artistas da cidade sendo divulgados fora daqui do estado, em outros locais”, ressalta. 

“Grand Pas de Deux de Esmeralda”, espetáculo apresentado e transmitido pelo FACE Bauru em 2020. (Foto: Denis Augusto/FACE Bauru)
Como se aprova um projeto

Muitos são os fatores que fazem com que um projeto seja aprovado no meio de tantos proponentes. De acordo com os artistas, organização, detalhamento e “pé no chão” são elementos fundamentais para que um projeto se destaque dos demais durante o processo de análise.

Para Tica Amaro, a contrapartida para a sociedade é fundamental para que um projeto se destaque. “A gente não pode pensar no fazer artístico como ‘umbiguismo’ e satisfação de ego, tem que pensar se aquilo pode transformar de alguma forma”, pontua.

Andressa Francelino coloca a organização orçamentária como um dos pontos mais importantes durante a escrita de um projeto. Para a diretora, é importante ter clareza do que se pretende realizar. “Às vezes a gente não tem muita noção do que se quer executar. A gente escreve o projeto, e na hora de orçar, vê que não é possível de ser realizado”. 

José Vinagre afirma que o ineditismo também é o fator crucial para que um projeto seja escolhido. “Pensar no que pode diferenciar seu projeto das centenas de outros é a primeira tarefa”. 

O tesoureiro cita como exemplo o edital de 2020, onde 15 vagas na categoria de produção musical foram disputadas por mais de 500 proponentes. Na sua análise, projetos como covers de bandas ou releituras de obras já existentes acabam passando despercebidos pela comissão de avaliação. Gêneros musicais também são pouco explorados. “Pouca coisa de música erudita, pouco rock, nada de música eletrônica. Nessa situação, trabalhos autorais são mais valorizados”, ressalta.

PROAC 2021

Neste ano, três linhas diferentes irão auxiliar projetos de Teatro, Dança, Conteúdo Infanto-Juvenil, Circo, Artes Visuais e Música. Além do PROAC Expresso Editais e do PROAC ICMS, as duas primeiras linhas do programa, o programa de fomento Juntos Pela Cultura foi criado para produções que serão exibidas em formato virtual. O Juntos Pela Cultura possui um perfil municipalista, e busca trabalhar diretamente com as prefeituras dos municípios paulistas. 

A Secretaria da Cultura e Economia Criativa está com o Balcão Virtual de Tira Dúvidas a respeito dos editais do PROAC aberto ao público todas as terças e quintas do mês de junho, das 17h às 18h. O formulário para ter acesso à sala virtual deve ser preenchido através deste link

“Com isso, o governo estadual reafirma seu compromisso com a valorização da cultura e o estímulo ao desenvolvimento do setor cultural e criativo”, afirmou o secretário Sérgio Sá Leitão, em nota publicada pela secretaria. 

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