Isolamento social expõe falhas no atendimento às vítimas de violência doméstica

Quarentena tem sido obstáculo para que mulheres realizem denúncias e número de notificações cai em Bauru

Publicado em 15 de junho de 2020

Número de boletins de ocorrência registrou queda durante os meses de março e abril (Arte: Lenita Medeiros/Jornal Dois)
Por Michelly Neris

Bauru registrou queda no número de boletins de ocorrência de casos de violência doméstica durante a quarentena. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública obtidos pelo Jornal Dois por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), em março foram registrados 289 casos, já em abril, o número caiu para 144. 

Em nota, a Prefeitura Municipal informou que o Centro de Referência de Assistência Social, o CREAS da cidade também registrou uma queda de 73% no atendimento de vítimas de violência doméstica em relação ao ano passado.

Desde o início da quarentena, o CREAS atendeu oito mulheres. Em 2019, nesse mesmo período, havia atendido 30. 

A queda nas ocorrências tem sido observada em diversas regiões do mundo e do país e sinaliza uma subnotificação dos casos de violência. 

Conforme a nota técnica emitida pelo Fórum de Segurança Pública, houve uma queda nos registros de BO’s em todo o país. Isso acontece porque muitas vítimas encontraram dificuldades em acessar serviços especializados e as denúncias passaram a acontecer pelo 190, o telefone da Polícia Militar.

O órgão aponta que muitas vezes a PM registra casos de violência doméstica como “desinteligência”, termo usado para designar casos de brigas.

Dados obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação (Tabela: Michelly Neris/Jornal Dois)

Em março deste ano, o 190 do Estado de São Paulo registrou 9.817 chamadas de violência doméstica, enquanto no mesmo período de 2019 foram 6.775.

Já o 180, serviço dedicado ao atendimento de mulheres vítimas de violência, registrou um crescimento de 27% nas ligações entre março e abril em todo o país. 

Em abril, os registros aumentaram 37,6%, em relação a 2019, em todos os estados que adotaram a quarentena. 

(Reprodução: Fórum de Segurança Pública)

Os feminicídios também cresceram em todo o estado de São Paulo e no país. Esse tipo de crime é caracterizado pelo homicídio de mulheres cometidos em situações de violência doméstica ou de discriminação à condição de mulher. 

Entre março e abril de 2019, foram  117 casos em todo o país. Este ano, foram 143 vítimas. Em São Paulo, as vítimas cresceram de 29 para 41 casos, um aumento de 41%. Os números cresceram em todo o estado, mas, até o momento, Bauru não registrou aumento de feminicídios durante o isolamento.

As Medidas Protetivas de Urgência concedidas apresentaram uma queda de 3,7% no estado de SP. Essas medidas estão previstas na Lei Maria da Penha como forma de proteger vítimas de violência doméstica e impedir que as agressões voltem a acontecer. Entre março e abril de 2020 foram 6933 medidas concedidas. No mesmo período de 2019 foram 7200.

É preciso intervir

Para a psicóloga Nilma Renildes, que estuda violência contra  a mulher, a pandemia explicitou as falhas no atendimento a vítima de violência doméstica – uma vez que a Polícia Militar não estava preparada para acatar os casos durante a quarentena. A psicóloga ainda chama atenção para o fato de que os mecanismo de prevenção e atendimento às mulheres previstos na Lei Maria da Penha não foram totalmente implantados, nem chegam a todos os municípios do país. 

“Quando a lei [Maria da Penha] foi sancionada em 2006, houve uma diminuída [nos casos], mas já em 2007, eles voltam a crescer. Hoje nós temos a Lei de Feminicídio, mas o índice de feminicídio também não diminuiu. Então não é apenas uma questão legal. Nós precisamos que esses mecanismos sejam implantados e que cheguem como direito para a população feminina”, aponta Nilma.

Com o número de casos e mortos pelo covid-19 crescendo todos os dias, não sabemos até quando a quarentena pode se estender. A psicóloga avalia que é preciso que a sociedade se mobilize e intervenha nas situações de violência.

“A gente não pode lidar com a questão da violência contra a mulher, achando que o grande problema é a pandemia”, considera Nilma. “Uma das formas de atuar é desnaturalizar as relações permeadas pelo uso da violência, seja contra a mulher, crianças ou adolescentes. E é preciso ter paciência e insistir ao fazer as denúncias, porque muitos profissionais podem não estar preparados para receber esse tipo de denúncia”, conclui.

Quem pode ajudar

Em situação de violência, alguns serviços especializados oferecem apoio, socorro e suporte para a vítima:

Ligue 180Central de atendimento à mulher em situação de violência

CREAS Bauru – No telefone (14) 3234-8705 é possível tirar dúvidas e buscar orientação.

OAB por Elas – O programa oferece assistência jurídica à vítima de violência com advogadas voluntárias da OAB Bauru. Os atendimentos podem ser feitos pelo número (14) 3227-3636.

Aplicativo PenhaS – O app para celular traz informações para mulheres em situação de violência, ajudando a  reunir provas contra o agressor e buscar um rede de apoio.

Whatsapp – O número (11) 94494-2415 pode ser salvo nos contatos com qualquer nome. Essa ferramenta vai analisar a situação de violência e gerar um cupom de desconto para aplicativos de transporte para que a vítima possa seguir até um local seguro de graça. 

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