“Garantir a futura geração do nosso povo”: aldeias cancelam Dia do Indígena contra covid-19

Sem comemoração tradicional, aldeias evitam aglomerações; Cacique Chicão Terena, da aldeia Kopenoti a 40km de Bauru, faz um apelo pela proteção dos povos indígenas do Brasil

Publicado em 19 de abril de 2020

Vida em comunidade faz parte do dia-a-dia nas aldeias (Foto: Arquivo pessoal/Chicão Terena)
Por Raphael Serafim Macedo

A celebração pelo Dia do Indígena foi cancelada nas aldeias da terra indígena de Araribá devido ao novo coronavírus. O território fica no município de Avaí, a 40 quilômetros de Bauru. Moradores das aldeias Kopeniti, Nimuendaju, Tereguá e Ekeruá estão evitando saídas para a cidade e seguindo as orientações do Ministério da Saúde. 

Comemorada neste domingo (19), a data foi instituída em 1943 pelo então presidente Getúlio Vargas. Existem mais de duzentas etnias indígenas no Brasil, e muitas delas marcam esse dia com jogos e festejos. É caso dos povos Terena, que todos os anos comemoram a data com eventos abertos para visitantes. 

Devido ao risco de contágio pela covid-19, as aldeias em Araribá já estavam cientes da possibilidade de que o evento acontecesse com as portas fechadas. A decisão de cancelar a festa por completo foi tomada conforme as recomendações para evitar aglomerações. 

Cacique da aldeia Kopenoti, Chicão Terena conversou com a equipe do Jornal Dois e contou um pouco sobre a situação das aldeias de Araribá em meio à pandemia. Ele faz um apelo para que os povos nativos do Brasil respeitem o isolamento social. 

“Fiquem na oca!”

Chicão comemora o fato de não ter nenhum caso confirmado em Araribá e, até agora, ninguém com os sintomas da doença. O cacique lembra que é importante que o povo nativo mantenha uma distância de centros urbanos para que nenhum tipo de doença (como a gripe comum, por exemplo) seja transmitida.

“É sempre difícil quando se trata do direito de ir e vir, mas a comunidade indígena de Araribá tem seguido as recomendações do Ministério da Saúde sim”, conta o indígena da etnia Terena. 

Para ele, é essencial que os indígenas sigam as orientações de segurança para que o novo vírus não se espalhe nas aldeias. Um fator que poderia disseminar a doença é a vida em comunidade. Na cultura nativa, os idosos, grupo de risco da covid-19, são fonte de conhecimento para toda a tribo.

Segundo o cacique, moradores da aldeia Kopenoti costumam frequentar comércios e serviços na cidade. Alguns, que são evangélicos, vão às igrejas. Pelas próximas semanas o contato com o as cidades vizinhas e o centro de Avaí está restrito.

“A gente diz: ‘Fiquem na oca’! É um apelo dos indígenas para que todos os povos indígenas do Brasil continuem na aldeia, buscando resguardo”, conta Chicão. “Para que a gente possa garantir uma futura geração do nosso povo”.

Respeitar as memórias e as culturas

O cacique vê nas festas e jogos pelo Dia do Indígena uma oportunidade de mostrar aos brasileiros a cultura de seu país. “Comemorações assim atraem escolas que levam as crianças. Elas acham que índio é tudo igual e mostramos que existem diversos grupos diferentes com línguas diferentes e que um Terena não entende um Guarani e vice-versa”, explica.

Além do desconhecimento da cultura, a situação dos nativos brasileiros tem se deteriorado devido ao sucateamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), que tem o papel de demarcar as terras indígenas, oferecendo auxílios como doença e maternidade. Também é responsável por criar projetos comunitários voltados para a população indígena juntamente com as prefeituras das cidades nas quais as aldeias e povos estão instalados ou próximos.

De acordo com associações indígenas e entidades apoiadoras dos povos nativos do Brasil, órgãos federais não têm tomado providências para proteger as comunidades – há falta de materiais básicos, como máscaras, para lidar com eventuais casos de coronavírus nas aldeias.

A Funai recebeu do Governo Federal quase R$ 11 milhões para investir na proteção das populações indígenas contra o avanço do coronavírus nas aldeias. Segundo informação apurada n’O Estado de S. Paulo, o valor ainda não foi investido em medidas para os povos nativos. 

Pandemia vs invasores nas terras indígenas

São 27 indígenas com a covid-19 no Brasil – número divulgado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). 22 deles estão no estado do Amazonas. Até o momento foram três mortes confirmadas, das etnias Kokama, Tikuna e Yanomami. 

A invasão de territórios não cessou durante a pandemia. Em entrevista, Antônio Oliveira, que é coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), alerta:  “Continuam invadindo e provocando conflitos nas comunidades. Registramos invasões no território Karipuna, em Rondônia, no território Yanomami, além de terras no sul da Bahia, no norte de Minas Gerais, e também no Maranhão, território Araribóia, do povo Guajajara”. 

O desmatamento e ataque de grileiros de terra cresceu 242% no primeiro trimestre de 2020, só no estado do Pará. Terras indígenas ficam no meio da disputa: da floresta Amazônica, foram devastados 250 quilômetros quadrados no mesmo período.

“É possível que a pandemia do novo coronavírus contribua com o aumento do desmatamento ao diminuir a fiscalização”, analisa a professora Claudia Ramos, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará. “Com menos fiscais em campo, criminosos aproveitam a situação para intensificar atividades ilegais”.

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