“Quando estou montado, sou outra pessoa. O Daniel não está mais ali, ele fica em casa. Ali é a Danielly que está”, conta (Foto: Bibiana Garrido/JORNAL DOIS)

Por Lucas Zanetti


Fantasias, arames, pedrinhas coloridas, cola quente, batidas de vinho, uma cachorrinha e dois gatos dividem espaço com os produtos, cadeiras e equipamentos do salão de beleza que a drag queen Danielly Angell divide há um ano com o namorado Leonardo, no Bela Vista.

O salão de beleza também é o lar do casal e um dos muitos cenários onde é construído o carnaval de Bauru. O entra e sai apressado de pessoas, cada uma finalizando os preparativos para o desfile é algo comum nesse período do ano e faz parte de uma rotina que começa muito antes de fevereiro.

Danielly é a Rainha da Diversidade de 2018. A faixa retornou à drag queen, campeã em 2016, de forma inesperada e em meio a um conflito entre as candidatas. “Foi meio pesado. Como eu ganhei pela segunda vez, teve um desentendimento com os familiares do concorrente. Eles não aceitaram. Falaram que não era pra ser eu”, conta. Danielly, Leonardo e os amigos tiveram que sair protegidos do sambódromo.

O maquiador e técnico em veterinária Daniel criou a drag Danielly Angell há oito anos, quando foi a uma festa do trocado — onde os gêneros são invertidos -, e nunca mais parou. “Nunca tinha me montado, mas falei ‘vamos’. Eu só tinha maquiagem porque eu trabalhava com isso. Eu não tinha peruca, não tinha salto não tinha nada, mas eles me emprestaram. Eu fui pra de um amigo e a gente se montou pela primeira vez. A recepção foi legal, mas no comecinho a gente sempre fica feinha, depois fui melhorando”, lembra.

No carnaval a estreia foi em 2012, sob influência do namorado. Danielly foi da comissão de frente do Azulão do Morro, interpretando a Emília: “foi aí que comecei a pegar gosto”. Até então ela via o concurso de Rainha, tinha vontade mas faltava coragem. A situação mudou quando estava na Mocidade e foi incentivada a concorrer e ganhou pela primeira vez.

O concurso de Rainha da Diversidade do Carnaval foi criado em 2010 pela Associação Bauru pela Diversidade (ABD) após um impasse, já que mulheres transexuais não podem ser coroadas Rainhas do Carnaval. A nova modalidade foi incluída tendo em vista abranger novos corpos e a diversidade de gênero e Naomi Sayox foi quem levou o título.

Ser drag em Bauru

“Em Bauru, é meio difícil viver de drag queen. Se fosse em cidades maiores, seria mais fácil o giro comercial. Em Bauru viver de drag não tem como”, explica Danielly. Drag para ela é uma forma de expressão artística e um hobbie. Para o sustento é preciso manter o emprego no salão e na clínica em que trabalha. À vezes, faz performances em boates, festas de casamento e de 15 anos.

Para ela, ser drag é algo que, por vezes, pode ser ingrato, já que “a montagem não é barata e se a gente for ver pelo valor não compensa”. No carnaval, por exemplo, as concorrentes pelo título não possuem nenhuma premiação além da faixa. Toda maquiagem, fantasias e outros gastos partem das próprias candidatas.

A expressão, a possibilidade de ser alguém diferente e mostrar a arte é o maior incentivo em meio a uma realidade de poucas recompensas. “É como os atores de teatro. Quando estou montado, sou outra pessoa. O Daniel não está mais ali, ele fica em casa. Ali é a Danielly que está. O jeito muda, os trejeitos mudam”, conta com orgulho.

Candidatas ao título de Rainha da Diversidade 2018 (Foto: Bibiana Garrido/JORNAL DOIS)

Drag queen é uma forma de arte corporal, onde uma personagem feminina é criada a partir de uma performance de gênero. Por meio das maquiagens, roupas, perucas e saltos, a ideia é entreter o público por meio da arte. É importante não confundir uma drag queem com travestis e mulheres transexuais, já que drag é algo temporário e não define a identidade de gênero do artista.

Para quem está querendo começar como drag mas tem medo, Danielly recomenda: “O primeiro passo, se você realmente quer aquilo, é correr atrás. A dica que eu dou é começar. Pega em um mês e compra uma base, no outro outra coisa. Mas é isso, vai juntando de pouquinho, até você ter uma trabalho bom. Drag é maquiagem. Tem que treinar muito. Fez uma vez e não ficou bom? Tira e faz de novo. Até você se encontrar. Vai treinando o formato até você ficar do jeito que você quer.”

Movimento LGBT

Danielly considera importante o ativismo LGBT. Ela critica a visão de que a parada da diversidade é apenas para diversão. Para ela, algumas pessoas “esquecem que por trás disso, tem gente querendo direitos iguais, pra você poder ser respeitado como todos. Tem gente lutando por leis e para encaixar nosso mundo na sociedade”.

A rainha também pede por maior união entre a comunidade LGBT e também das agremiações carnavalescas. “Rixa tem em tudo quer lugar, uma quer ser melhor que a outra. É complicado esse universo drag. Você tem que correr atrás, ser humilde, não querer começar lá em cima, porque não é fácil”, afirma.