Educação e disciplina nos colégios militares de Bauru

Instituições de ensino baseadas na estética ou princípios militares atraem jovens e dividem opiniões

Reportagem publicada em 25 de janeiro de 2018

Colégio da PM em Bauru começa suas atividades no final de janeiro (Foto: Lucas Mendes/JORNAL DOIS)

Por Lorenzo Santiago e Lucas Mendes

Disciplina. Para se adaptar ao ambiente de uma educação militar é necessário, dentre outras coisas, ter disciplina. É nesse modelo que os alunos da Escola Pré-Militar e do Colégio da Policia Militar de Bauru estão sendo formados. O formato é diferente do que a gente vê nas outras escolas, mas o que significa ter uma educação básica no modelo militar?’

Em Bauru são essas duas instituições que têm uma orientação pautada no militarismo. A Escola Pré-Militar foi fundada em 2005 por Daniel Moretto, que hoje é coordenador. A instituição que antes se chamava Força Patriota Estudantil, FOPE, não esteve ativa de 2009 até 2017 em Bauru, ano em que voltou a receber turmas.

Durante o “recesso” das atividades, seus gestores estruturaram o modelo que está vigente também no Rio Grande do Sul. A ideia é formar alunos que estejam preparados para prestar concursos públicos e até vestibulares. Tudo isso baseado em 5 princípios: disciplina, honestidade, hierarquia, estudo e disposição.

Conduta e estética

O curso é preparatório e auxiliar, não é uma escola com certificado no Ministério da Educação. Essa preparação é oferecida para alunos de qualquer idade. Jovens de 21 anos podem estudar com alunos de 14. As relações são construídas com bases na hierarquia do exército. O aluno que entra na escola, entra como recruta pré-militar durante um mês.

Divulgação no site da Força Pré-Militar Brasileira (Reprodução/www.fope.com.br/)

Para o Coordenador Moretto, “essa é uma forma de se fazer um período de testes, no qual o aluno vê se gosta da escola, e a escola vê se gosta do aluno”. Após esse período de adaptação, o aluno se torna automaticamente um aluno pré-militar. Depois de participar do acampamento de 3 dias gerenciado pela FOPE, o aluno passa para o posto de Soldado pré-militar. A partir de então, os estudantes com melhor desempenho em provas teóricas e de desempenho físico são convidados para fazerem um curso de Cabo pré-militar, no qual eles terão uma posição de liderança em relação aos outros alunos. Os que se destacam como Cabo pré-militares são convocados para se tornarem Sargentos pré-militares.

Esse processo todo está acompanhado de uma estética. Os alunos usam uniformes da Força Pré-Militar Brasileira. Sargentos de boina. Todos de preto.

A hierarquia tem uma intenção. Segundo o Coordenador Moretto, “ela existe principalmente para não assustar esses jovens quando eles entrarem na vida militar”. Além disso, para Moretto, a hierarquia faz com que o aluno respeite o professor. O coordenador atribui ao modelo os bons resultados dos alunos em concursos externos. Segundo a Escola, cerca de 50% dos alunos que fizeram a escola pré-militar e resolveram prestar concursos foram aprovados.

Curso pré Militar de Bauru prepara jovens para as cerreiras militares (Foto: Reprodução Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

O patriotismo também é muito marcante. Saber o hino, a data e a história dos feriados nacionais, além do motivo das cores das bandeiras é importante para a FOPE. Moretto afirma que “quando você ama a sua pátria, você tende a respeitar as diferenças que tem dentro dela. Orientação sexual, cor, crença. Tudo isso está dentro do valor que o patriotismo te dá”.

Apesar de dizer que a Escola Pré-Militar é aberta a questões de raça, gênero e classe, Daniel Moretto entende que as discussões sobre essas questões não podem estar em sala de aula: “Nós abordamos muito essa questão de cada um é o que é, todo mundo é livre. Mas parece que quanto mais você discute essas questões, mais você cria divisões. Quanto mais se fala sobre raças, mais se reafirma que existem raças diferentes. Eu não consigo dizer quem é pardo, quem é branco e quem é negro. Pra mim todo mundo é igual”.

A mensalidade é acessível para muitas pessoas: 50 reais por mês, aulas de segunda a sexta-feira. Esse preço, segundo a FOPE, é pensado de forma de democratizar o acesso à educação. “Quase 100% dos nossos estudantes são de escola pública. A gente quer chegar na população que não tem acesso a um ensino de qualidade” afirma o coordenador.

Ordem e disciplina

Diego Murakami tem 16 anos e é o primeiro sargento pré-militar de Bauru. Ele entende que sua postura mudou muito em um ano na FOPE: “Agora eu tenho muito mais seriedade. Antes eu ficava andando num grupo de amigos e ficava zuando, dando risada. Hoje quando tem muita gente eu ando mais afastado, ouvindo música. As amizades que eu tinha antes, eu tenho pouco contato agora”.

Prédio do antigo Liceu que será o novo Colégio da PM, na av. Rodrigues Alves (Foto: Lucas Mendes/JORNAL DOIS)

“É como se fosse uma religião. Alguém que vai em uma Igreja todo dia, não vai ficar se misturando com alguém que não é da religião, que é do ‘mundão’. Só vai andar com quem tem o mesmo pensamento”, fala Diego.

Não muito distante desta realidade de ensino está o Colégio da Polícia Militar, mantido pela Cruz Azul de São Paulo, uma associação sem fins econômicos, de caráter beneficente, filantrópico e educativo. A unidade bauruense é a décima terceira do estado de São Paulo. Apesar de não ter a estética militar, mantém alinhamento em relação aos valores: “Ninguém aqui marcha ou usa farda, mas nós temos os princípios da vida militar muito bem definidos aqui: Honra, Disciplina e Saber” diz Walter de Oliveira, responsável administrativo do Colégio.

 

A escola terá 450 alunos neste ano. A formação do aluno passa, também, pelos valores que estão colocados na corporação militar. “O jovem começa desde o início a perceber que existem instituições, existem valores que são muito importantes pra convivência em sociedade. O apego à ordem e à disciplina são fundamentais. Esse respeito às instituições e às leis fazem com que o indivíduo se torne um cidadão melhor” continua Walter.

Assim como na FOPE, o responsável administrativo afirma que o debate político em sala de aula é vetado. “A escola não é o local adequado para se discutir política, ideologia. A escola tem um papel diferente. Ela tem a função de aculturar pessoas, levar conhecimento para as pessoas. Sedimentar esse conhecimento e levar para gerações futuras. A gente prepara a pessoa para o mercado de trabalho, capaz de escolher sua tendência política”.

Voltada a atender a família dos policiais militares, a Cruz Azul tem ações nas áreas da saúde e educação. A iniciativa de trazer esse modelo de escola para Bauru partiu da entidade e do Comando Regional da Polícia Militar.

Entidade sem fins lucrativos, a Cruz Azul oferece serviços em saúde e educação à família policial militar (Foto: Lucas Mendes/JORNAL DOIS)

Neste modelo, o policial militar é o principal atendido. “Por estar na condição de associado à Instituição, a família do Policial Militar recebe benefícios e descontos especiais. Para as pessoas de fora, temos preços abaixo do que se pratica nas escolas particulares de Bauru”. Os valores para matrícula não foram divulgados.

“Vigiar e punir”

De acordo com a administração das escolas, há pessoas que buscam as instituições para colocarem seus filhos por terem afinidade com os ideais ali trabalhados.

A Escola Pré-Militar e o Colégio da Polícia Militar podem formar estudantes para seguir nessa área e demais campos de atuação. Segundo a administração dessas instituições, o que também ocorre é que os responsáveis buscam o modelo pela afinidade de ideias e princípios, mesmo que os filhos não sigam carreira militar.

“Muitas pessoas hoje compactuam e tem uma identificação muito forte com esses ideais que a gente passa. Eles procuram pra colocar os seus filhos estudando com a gente baseado nestes princípios”, revela Walter, do Colégio da Polícia Militar.

Patrícia Alves é pedagoga e pesquisadora na área da educação. Para ela, por mais que as escolas apresentem um modelo de ensino baseado formação ética sem o debate político, nenhuma escola é neutra no seu posicionamento. “Assim como todo projeto educacional, existe uma intencionalidade na formação. Esse modelo pedagógico é claramente baseado na questão da disciplina e do controle. O modelo militar, independentemente de ter uma estética ou não, é baseado naquilo que Foucault chama de vigiar e punir. Assim como nas escolas estaduais, que tem uma arquitetura baseada no controle, a pedagogia militar se norteia com uma ideia de disciplina correta. Se o aluno foge deste padrão, ele é punido” comenta.

A educadora pontua também que passar o conteúdo não é o principal problema. O problema é a forma que se passa esse conteúdo: “O aluno acaba sendo enxergado como uma caixa vazia, e que a escola vai preenchendo de alguma coisa que neste caso é o conteúdo. Mas não se leva em consideração o contexto de vida que aquela criança, jovem e adolescente tem, e o que ela já aprendeu. Como que ela chega no espaço para socializar, pra interagir com outras pessoas, pra aprender coisas diferentes, de outras formas e leituras de mundo”.

Mesmo alcançando o objetivo de colocar os alunos na carreira militar, Patricia entende que essa não é uma forma eficaz de as pessoas desenvolverem autonomia crítica: “Todos os modelos de educação são um sucesso. Os militares com a sua proposta, os cursinhos pré-vestibulares e até as escolas públicas. Dentro da proposta de cada um deles, eles são um sucesso, pois atendem um público de interesse, com uma intencionalidade. A escola pública, com falta de professores, estrutura física destruída, tem uma intencionalidade muito bem posta: de não formar pessoas. E dá certo. A formação nas escolas com o cunho militar é pra garantir que vão se formar pessoas que cuidarão, que serão mantenedoras não só dessa própria ideologia, quanto de uma ‘ordem e progresso’”, conclui.

A Força Pré Militar não possui qualquer vínculo com as Forças Armadas.