Fotos: José Cruz/Agência Brasil e Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil; Ilustração: ZACHPOST. Postada originalmente aqui.

Da Redação


As reportagens e vídeos do Jornal Dois são fruto de um trabalho que tem como prioridade contar as histórias das pessoas que nem sempre são representadas pela mídia. Nos definimos como mídia independente por um motivo: somos contrários às violências e desigualdades existentes na sociedade. Acreditamos que é importante valorizar as diferenças entre as pessoas e defendemos os direitos de todos como iguais diante dessa diversidade.

Temos quase um ano de atividade em Bauru. Acompanhamos os jogos da segunda divisão do futebol amador, batalhas de MCs, saraus, manifestações sociais, o cotidiano dos bairros, a política bauruense e entre outros eventos. Estamos nas ruas porque essas pessoas existem e têm o direito de existir. Mais que isso, têm o direito de serem retratadas de forma digna e respeitosa pelos meios de comunicação.

Somos contra os interesses que colocam o poder e o dinheiro acima das pessoas. Somos contra as mídias que reforçam esses interesses e que não exploram o potencial do jornalismo para transformar a realidade.

A oposição entre Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT) pode ser entendida como uma falsa simetria. Eles não são pontos opostos de um mesmo projeto. Bolsonaro e sua equipe desrespeitam a democracia em declarações públicas e amplamente divulgadas. Elogios à ditadura militar, discursos de violência contra a mulher, contra negros, LGBT+, movimentos sociais, pobres, quilombolas e indígenas. Bolsonaro exalta Carlos Alberto Brilhante Ustra, militar que tem em seu currículo casos de tortura e assassinato comprovados pelo Estado brasileiro.

Nos últimos dois anos Bolsonaro esteve junto com o presidente Michel Temer em votações importantes que ocorreram na Câmara dos Deputados, e que dificultam a vida dos trabalhadores e dos mais pobres. Ele votou:

  • a favor da reforma Trabalhista (que deixa menos rígido para o patrão cumprir direitos trabalhistas)
  • a favor do projeto do teto de gastos (que congela por 20 anos os gastos do governo; inclusive investimentos em saúde, educação e segurança)
  • contra o “projeto das Domésticas”, lei que garante aos trabalhadores domésticos direitos iguais aos demais trabalhadores, como o registro em carteira

No programa de governo do PSL existe a proposta da “carteira de trabalho verde e amarela”. A ideia é que o trabalhador vai poder escolher entre a carteira “normal” (azul), com direitos trabalhistas, e a nova (verde e amarela), com menos direitos. Hoje são 34 direitos garantidos pela lei, como salário mínimo, seguro-desemprego, repouso semanal remunerado, 13º salário, FGTS e aposentadoria. Ainda que fosse só uma questão de escolha, tudo bem. O problema é que o trabalhador pode não ter opção, se as únicas vagas de emprego que aparecerem forem nesse novo esquema. É pegar ou largar.

Conselheiro de Bolsonaro, o economista Paulo Guedes deverá ser ministro da economia, caso a chapa vença as eleições. Guedes é a favor de privatizar a maioria das empresas estatais, sem especificar quais, nem como, nem quanto renderia de dinheiro ao país.

Isso pode ir contra o discurso nacionalista do próprio Bolsonaro. Existem estatais brasileiras que atuam em setores que são dominados por empresas multinacionais. Essas multinacionais têm força e competitividade para comprar as estatais, e atuar diretamente no Brasil, remetendo os lucros para seus países de origem.

Tudo o que fazemos — e que podemos fazer — junto a população bauruense é por causa do modelo de governo que vivemos — a democracia. O candidato do PSL coloca em xeque não só o sistema democrático como o nosso trabalho e o que prezamos: um jornalismo que estimula o amplo debate sobre assuntos excluídos da cobertura das outras empresas de comunicação da cidade.

E por falar em jornalismo, Bolsonaro deslegitima a atuação profissional ao comparar conteúdos apurados com notícias falsas espalhadas via redes sociais. A gente precisa pontuar isso. Jornalismo não é sobre falar uma verdade absoluta, ser imparcial e neutro; não é sobre ameaçar candidaturas com boatos ou falas que menosprezam grupos, valorizam governos autoritários e fascistas. Jornalismo serve para retratar a realidade e se aprofundar em temas inéditos. A apuração é fundamental para o trabalho de elaboração das notícias. Julgar reportagens como falsas baseado em achismos é desqualificar a importância dos meios de comunicação para a manutenção do debate público.

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros estabelece, em seu Artigo 6º, parágrafo XI, que o jornalista tem o dever de “defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, dos adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos negros e das minorias”.

Bolsonaro tem sido tratado como “engraçado” pela mídia tradicional, que muitas vezes apenas reproduz suas falas racistas, homofóbicas e machistas. Dá o nome de “polêmico” para diminuir o peso e a gravidade de suas manifestações violentas. O que deveria ser considerado um crime não resultou em punições — e isso acabou por incentivar atos de ódio em todo o país. Um erro do jornalismo empresarial brasileiro: não dar nome aos bois.

Durante mais de 20 anos de ditadura militar muita gente foi perseguida, torturada e morta por defender os direitos de se expressar, votar e interferir (ainda que indiretamente) na política nacional. Bolsonaro não necessariamente vai fazer um governo ditatorial e de perseguição policial às ideias divergentes. Mas as falas do candidato legitimam todas as formas de violência às populações marginalizadas. Diversas perseguições já estão ocorrendo a quem simplesmente discorda das propostas do “mito”.

A volta da democracia (processo de redemocratização) é recente no Brasil. São apenas 30 anos de um governo que ainda está em construção. Só neste período foram dois processos de impeachment que demonstram a instabilidade de um sistema de governo que não encontrou, tanto pelos cidadãos quanto pelos políticos, um modelo plenamente compartilhado.

Este editorial é uma defesa da nossa existência. O Jornal Dois é contra projetos de governo que limitam o trabalho jornalístico comprometido com a realidade e que podem, principalmente, dificultar a superação das desigualdades em que vivemos.