Cidade para poucos: moradores de assentamentos temem despejo

Morada Nova é alvo de reintegração de posse. O assentamento que é instrumento de luta da reforma agrária se localiza na região da Vila Aimorés há 7 anos; Nova Esperança também está na iminência de despejo

Publicado em 21 de julho de 2021

Assentamento Morada Nova tem lotes de propriedade da prefeitura e do Incra (Foto: Camila Araujo/Jornal Dois)
Por Camila Araujo
Edição Bibiana Garrido 

Certa noite de fevereiro de 2015, por volta das 22h, chovia quando um grupo de pessoas ocuparam as áreas do assentamento Morada Nova, na Vila Aimorés. Famílias que não tinham mais como pagar aluguel participaram da ocupação, em busca de moradia, junto do Movimento Social De Luta Dos Trabalhadores (MSLT), que organizou a ação. Por conta da noite chuvosa, as barracas foram montadas em meio à lama, em um local que antes servia como depósito de lixo de indústrias da região, lembram moradores. 

“Quando chegamos aqui tudo era lixo. Essa ‘borra branca’ debaixo da terra deixou um monte de crianças doentes”, contou Magali de Carvalho, de 53 anos, moradora do assentamento e dona de uma marmitaria. O vizinho Izaías Mendes Junior, pedreiro de 42 anos, afirmou que a área estava praticamente abandonada. 

“Muita gente não tem para onde correr, foi difícil a gente chegar onde chegou e agora a prefeita quer vir e tirar a gente aqui”, reclamou Gislaine dos Santos, 37 anos, aposentada por invalidez e moradora. 

No dia 21 de junho de 2021, uma segunda-feira, Márcio Oliveira, líder regional do MSLT, foi convocado para uma audiência judicial que discutia a reintegração de posse do assentamento. Reintegração de posse é o nome da ação judicial que retira famílias ocupadas para “devolver” o terreno ao proprietário original. Vale lembrar que a reforma agrária prevê a redistribuição de terras que forem consideradas ociosas ou improdutivas.

O Morada Nova é composto de terras da Prefeitura de Bauru e terras doadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) com finalidade de moradia social. Mais de 115 famílias convivem no espaço, sendo que 43 delas habitam a parte que pertence ao Executivo local. São essas famílias que estão na mira de um possível despejo. 

De acordo com Márcio Oliveira, o secretário de Negócios Jurídicos da prefeitura, Gustavo Bugalho, insistiu na formalização do despejo. Ainda segundo ele, a juíza Eliane Leoni da 2ª Vara da Fazenda Pública do Foro de Bauru não quis aprofundar na discussão trazida pelo município e garantiu que não haverá ordem de despejo neste momento. Isso porque uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que ações de despejo de áreas ocupadas antes do início da pandemia estão proibidas por seis meses. 

A decisão do STF partiu de um pedido protocolado pelo PSOL, o Partido Socialismo e Liberdade. Membro da Comissão de Política Urbana e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de São Paulo, a vereadora pela sigla Sílvia Ferraro avalia que a medida é positiva, “porém ainda não suficiente porque trata apenas de ocupações feitas antes da pandemia”. Segundo ela, as decisões deveriam valer para todas as ocupações, para não haver nenhum despejo durante a pandemia. 

Para Márcio, a possibilidade de reintegração de posse no Morada Nova é “fora do normal” porque “a área da prefeitura é mínima e seria possível fazer uma troca com outras terras doadas pelo INCRA”.

Essa “troca” está prevista no Plano Diretor Participativo (PDP) de Bauru, junto de outros instrumentos urbanísticos que têm o objetivo de garantir maior equilíbrio no desenvolvimento urbano: “o planejamento e a implantação de instrumentos de política urbana são essenciais para a tomada de decisão. Se acompanhados de investimentos públicos, podem corrigir desigualdades no curto, médio e longo prazo”, explica o texto do Programa Cidades Sustentáveis. 

A transferência do direito de construir, ferramenta estabelecida pelo Estatuto da Cidade (lei federal 10.257/2001), e prevista em lei municipal, diz respeito a áreas destinadas à preservação, ao uso comunitário ou ainda para habitação de interesse social. Nos casos citados, o proprietário do imóvel, seja ele privado ou público, pode exercer seu direito de construir em outro local.  

Para que os instrumentos urbanísticos sejam aplicados com maior eficiência, é necessário que sejam regulamentados. O PDP de Bauru diz que a transferência do direito de construir deveria ser estabelecida por lei municipal específica no prazo de um ano a contar da publicação do PDP, que ocorreu em 2008. Até hoje, a medida não foi efetuada. 

Para Márcio, caso não seja aplicada a transferência do direito de construir, a prefeitura tem que indenizar as famílias “pelo investimento feito no terreno municipal”. 

“Chegamos aqui e fizemos tudo do nosso bolso: pagamos a máquina, limpamos o território. Agora que está bonito interessa a prefeitura?”, questiona a moradora Magali. Ela conta que sua casa demorou quatro anos para ser construída e que a família gastou todas as economias no processo.

Nas fotos abaixo, veja como era a região do assentamento Nova Morada quando houve a ocupação há sete anos:

“Somos seres humanos, também precisamos ter nosso lugar”, diz Isaías. O morador afirma que se não fosse pelo movimento social ele não teria um lugar para morar. “Onde eu ia colocar os meus filhos? Na rua?”, pergunta. 

“O que a gente quer é regularizar e pagar por isso, é o que todos estão querendo”, explica Gislaine. 

Henrique Veronez, promotor de Justiça e Urbanismo do Ministério Público do Estado de São Paulo, afirma que não acha que a prefeitura vai indenizar as famílias. “Houve uma inserção no local sem qualquer autorização ou permissão do poder público, não vejo como usar dinheiro público para isso”, declara Henrique, dizendo ainda que “você estaria usando um dinheiro público para efetuar uma situação na qual as próprias pessoas se submeterem”. 

O promotor diz ainda que “poderia ser tomada uma atitude para que elas possam ser levadas para outro local” e explica que está como “custos legis” no processo, “responsável por apurar se estão sendo aplicadas as legislações” que envolvem o sistema do direito público de ter um bem e o direito social dos assentados.

Despejo e realocação de famílias em situação irregular é prática comum no município (Foto: Camila Araujo/Jornal Dois)

A transferência de famílias ocupadas, de um terreno para outro, é prática comum da Prefeitura de Bauru para tentar reaver posses, sejam elas públicas ou privadas. Em 2018, 360 famílias foram expulsas do assentamento Estrela de Davi, na Quinta da Bela Olinda, sem nenhum uso previsto para o terreno onde elas estavam – e que permanece abandonado até hoje. Em 2019, 700 famílias foram retiradas do assentamento Nova Canaã, que ficava próximo ao IPMET, e 195 delas foram realocadas para um terreno atrás do cemitério do Cristo Rei, onde havia rejeitos de construção, de lixo, e de chorume do cemitério – hoje o local foi revitalizado e é conhecido como Vila Cristiana, em homenagem à líder do assentamento que faleceu em 2020.

Para José Xaides, professor de Arquitetura e Urbanismo da Unesp de Bauru, a moradia social tem sido tratada em Bauru, pelo Ministério Público e pela prefeitura, e em todo o país, “principalmente por esse governo autoritário”, com certo “desprezo” pelo Estatuto da Cidade, lei que regulamenta o capítulo de Política Urbana da Constituição Federal. Ele afirma que isso acontece por conta de um desconhecimento técnico da regulamentação. 

“Me parece que a rotina da prefeitura e do MP tem sido a de não garantir direitos a pessoas em situação de vulnerabilidade”, diz o professor, destacando que elas se encontram nessa situação “não porque querem, mas por não terem condições financeiras para morar em assentamentos regulares”, como é o caso de empreendimentos do Minha Casa Minha Vida. Dessa maneira, diz ele, “essas pessoas estão no limbo da política urbana e federal”. 

José Xaides avalia que o MP ao invés de aprofundar as normas que já estão estabelecidas em lei e cobrar que o Executivo regulamente os instrumentos urbanísticos, de forma a defender o direito à moradia,”acaba servindo de algoz, fazendo a lei servir apenas como interesse econômico de proprietários de terras”. 

Estes terrenos, prossegue o professor, muitas vezes não são cuidados e só servem como depósito de lixo ou especulação imobiliária, sem cumprir com a função social estabelecida na constituição. 

Fome, pobreza e famílias inteiras sem conseguir pagar aluguel. Essa realidade não é recente mas se agravou com a pandemia. Apenas em Bauru, de acordo com dados da Secretaria de Bem-Estar Social (Sebes), mais de 70 mil pessoas estavam vivendo em situação de vulnerabilidade social em abril, das quais 10.102 em situação de extrema pobreza, 3.093 em situação de pobreza e 57.011 vivem com meio salário mínimo.

De acordo com o relatório Panorama Social da América Latina 2020, publicado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a estimativa é de que a taxa de extrema pobreza no continente atingiu 12,5% da população e a taxa de pobreza atingiu 33,7%, o que significa 209 milhões de pessoas na pobreza no final de 2020, 22 milhões de pessoas a mais do que no ano anterior. Desse total, 78 milhões de pessoas estavam em situação de extrema pobreza, 8 milhões a mais do que em 2019.

Ao lado do Morada Nova, a ocupação urbana do Nova Esperança, consolidada em 20 de fevereiro de 2020, de acordo com o MSLT, também está na iminência de despejo, e por isso moradores se mobilizam para transferir as casas para uma região de área verde localizada ao lado do terreno ocupado. 

Assim como seus vizinhos, Adriana vai demolir sua casa e construi-la novamente em um terreno vizinho (Foto: Camila Araujo/Jornal Dois)

“Como a gente está escondido, a ajuda é pouca”, afirma Adriana Fragnan, moradora, cozinheira e desempregada. Ela explica que chegou ao assentamento por não ter como pagar aluguel e que seu genro, o único da família que consegue trabalhar no momento, coleta entulho, leva para um ecoponto e ganha em torno de R$50. “Mas tem combustível para pagar, além de filho e neto para dar de comer”, reclama. 

Pelo mesmo motivo que Adriana, Neide Cristina Antunes, de 48 anos, mora no assentamento há um ano e 2 meses. Há cinco anos sem poder trabalhar por conta de um problema no joelho, ela conta que ganhou um gás do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), ao passo que Adriana ganhou de uma igreja. E assim vão se virando como podem. 

Rose Marli Antunes, 53 anos, conta que se mudou para o assentamento atrás de sua irmã Neide. Ela trabalhava como cuidadora há mais de 15 anos e cuidava de um senhor que faleceu com coronavírus no início da pandemia. Em seguida, ela também se contaminou, ficou desempregada e com sequelas de tosse.

Lilian Nogueira, 31 anos e mãe de cinco filhos, morava em Piratininga quando ficou desempregada e teve que se mudar para o assentamento. Um de seus filhos, uma criança de dois anos, tem um problema de saúde e precisa ir a consultas médicas recorrentes para que consiga andar. Em meio à ameaça de despejo, a família se vê obrigada mais uma vez a se deslocar: desmontar casa e transportá-la para um terreno a uns metros de distância. “Difícil ter que tirar tudo de lá e colocar as coisas para fora”, diz Lilian. Ela lembra ainda que, se chove, molha berço, colchão e outros móveis da casa. 

Lilian tem 5 filhos, sendo que um deles precisa de atendimento médico especializado; ela se mudou para Bauru em busca de moradia (Foto: Camila Araujo/Jornal Dois)
“Destravamento”

Em 2018, a Prefeitura de Bauru aprovou um projeto de expansão de cinco áreas da cidade, que somadas equivalem a mais 12 milhões de metros quadrados, aproximadamente 1680 campos de futebol. As áreas expandidas tinham finalidade de indústria, comércio ou serviços, definidas como Zona de Indústria, Comércio e Serviço (ZICS) pelo Plano Diretor Participativo. 

Áreas em azul foram incluídas no perímetro urbano em 2018 (Imagem: Prefeitura de Bauru/Reprodução)

Naquele momento, a prefeitura afirmou que as áreas das ZICS passaram a apresentar outras vocações, diferentes do seu uso original, passando a permitir sua utilização para fins residenciais. 

Já naquela época o professor Xaides dizia que a ampliação do perímetro da cidade não se justificava, uma vez que existia “algo em torno de 30% do território em vazios urbanos”. O diagnóstico elaborado para o Plano Diretor aponta que estes terrenos estariam esperando a valorização imobiliária, “servindo de depósito de lixo e criação de gado, propiciando o desenvolvimento de epidemias graves, como a Leishmaniose”.

Conforme o documento, os terrenos vazios funcionam como barreiras que impedem a continuidade da urbanização, o que força a expansão do perímetro urbano, aumentando o trajeto do transporte público e encarecendo a implantação de infraestrutura. Ainda segundo o diagnóstico do plano, na época (2008), os lotes vagos correspondiam a 40% do total de lançamentos de IPTU em Bauru, um “número significativo”.

Outro ponto levantado pelo professor é a desaceleração do crescimento populacional. Estudos da Fundação Seade, instituição vinculada ao governo paulista e responsável pela produção de estatísticas do Estado que compõem o quadro nacional elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que depois de atingir o pico de número populacional entre 2042 e 2047, a população paulista deve decrescer: de 47,62 milhões em 2040 para 47,59 milhões em 2045, e 47,20 milhões em 2050. 

Entre 2050 e 2060, a população brasileira deverá ser bastante próxima da de hoje, aponta o estudo, em torno de 212 milhões de pessoas, mas com população idosa triplicada e a de crianças diminuído.

Dessa forma, prossegue Xaides, Bauru deve crescer em torno de 10 mil habitantes, sendo que a expansão do perímetro urbano comportaria pelo menos 60 mil, em aglomerados de casas, os chamados condomínios verticais. Se o espaço expandido também comportar prédios, esse número é ainda maior. 

“Há todo um interesse de legalizar direitos para quem especula com a terra”, afirma o professor. 

Direito à moradia 

As ZICS foram regulamentadas em 2018, enquanto as ZEIS, que são as Zonas Especiais de Interesse Social, áreas demarcadas no Plano Diretor Participativo para a construção de habitações populares, não saíram do papel. 

Áreas de ZEIS definidas pelo PDP de 2008; a prefeitura pode incluir outras áreas da cidade como ZEIS, caso assim decida (Imagem: Prefeitura de Bauru/Reprodução)

São três tipos de ZEIS apontadas pelo Plano Diretor:

A Vila Aimorés, região dos assentamentos Morada Nova e Nova Esperança, está indicada no plano como ZEIS de tipo 3. O urbanista José Xaides afirma que, caso houvesse o interesse em aprofundar no tema de habitação, no lugar de pensar a expansão do perímetro urbano para especulação imobiliária, o município poderia regulamentar as ZEIS e ainda o dispositivo da outorga onerosa do direito de construir, também previsto no plano. 

A outorga onerosa é um dispositivo urbanístico que estipula que um proprietário de terra que deseje construir acima do limite básico estabelecido para uma região deve pagar uma contrapartida financeira ao poder público. Essa contrapartida é definida segundo o coeficiente de aproveitamento de uma determinada região ou zona, calculado a partir da relação entre entre a área total em que houve construção, ou edificação, e a área do terreno. 

Bauru é dividida pelo Plano Diretor em 13 zonas, sendo que cada uma delas possui um coeficiente de aproveitamento básico, em que não há cobrança de outorga onerosa, e um coeficiente máximo, que é o máximo que se pode construir acima do básico, mediante pagamento da outorga onerosa. 

A lei prevê ainda a isenção da cobrança da outorga onerosa quando a construção, ou edificação é de residenciais individuais, hospitais, escolas ou ainda empreendimentos de habitação de interesse social para a população de baixa renda. O dinheiro arrecadado com a outorga poderia ser destinado a melhorias da infraestrutura da cidade e também para habitação social. 

Por conta de não ter sido regulamentada até hoje, 11 anos depois da publicação do Plano Diretor Participativo de 2008, os valores de coeficientes vigentes para a outorga onerosa permanecem aqueles que foram definidos em lei municipal de 1982. 

O professor e urbanista José Xaides lembra de um outro dispositivo urbanístico aplicado na capital paulista e que, segundo ele, também poderia ser pensado para Bauru: a cota de solidariedade. Significa que 10% da área prevista para novos empreendimentos de grande porte devem ser destinados à habitação popular. Dentro da própria edificação ou em outra área acordada com o poder público.  

Com esses instrumentos urbanísticos em mente, a justificativa do Ministério Público de que “não há dinheiro” não é verdadeira, avalia o professor. 

De assentamento irregular à regularização fundiária

O desconhecimento técnico do Estatuto da Cidade, lei federal de 2001 que fala sobre instrumentos urbanísticos, é um dos motivos apontados por José Xaides para as dificuldades com moradia em Bauru. Ele comenta o caso do antigo assentamento Nova Canaã, que ficava localizado nas proximidades do Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMet), da Unesp, como “clássico” na questão da habitação social em Bauru.

A gleba onde se localizava o Nova Canaã foi alugada pela Prefeitura de Bauru após acordo entre o prefeito Clodoaldo Gazzetta (PSD), o Movimento Social de Luta dos Trabalhadores e o Ministério Público estadual, resultado de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado no final de janeiro de 2018. 

O documento previa a mudança de dois assentamentos do MSLT para o Nova Canaã: o Morada da Lua e o Morada das Estrelas, na região do Distrito Industrial IV, próximo à Quinta da Bela Olinda. A locação do novo terreno implicou em um gasto mensal de R$ 25 mil para a prefeitura, valor abatido da dívida de IPTU que o proprietário do terreno possuía com o município.

No decorrer do processo, a desocupação do terreno onde estava o Estrela de Davi foi também associada à assinatura do acordo. Para viabilizar a nova área, o movimento teria de esvaziar o assentamento da Bela Olinda.

A duração do TAC foi de três anos e previa que a prefeitura oferecesse assistência básica aos moradores, como água, luz, transporte e rede de esgoto. Os serviços deviam ser oferecidos em até um ano, sob multa de R$ 10 mil ao município caso isso não fosse cumprido.

Na metade do acordo, as 340 famílias que ocupavam o assentamento foram obrigadas a desocupar a área em 18 de agosto de 2019, em cumprimento de uma ordem judicial de reintegração de posse solicitada pelo proprietário. Anos mais tarde, e até o momento da publicação desta reportagem, nada foi edificado no terreno.

Chamado de “inapropriado” por vereadores na época, um terreno no Jardim Primavera ao lado do Cemitério Cristo Rei, passou a abrigar 195 famílias de forma provisória. Outras 170 famílias que moravam no Canaã tiveram que deixar o assentamento sem ter uma destinação de moradia. 

Vila Cristiana, antigo assentamento Primavera, está localizado ao lado do cemitério Cristo Rei (Foto: Camila Araujo/Jornal Dois)
Morando no que passou a ser chamado de assentamento Primavera, os assentados passaram a reivindicar “a certeza de que vamos continuar aqui”, sem que o local fosse provisório, sem que houvesse um novo despejo. Depois de anos de luta, o assentamento de 36.835,83 metros quadrados foi regularizado em 22 de maio de 2021.  A regularização do terreno das famílias assentadas significa que elas passam a receber o direito social à moradia, facilitando o acesso ao desenvolvimento urbano, com saneamento básico e melhorias nas condições ambientais. As prioridades agora são conquistar os tratamentos de água e esgoto. O nome escolhido, Vila Cristiana, é uma homenagem à Cristiana dos Santos, liderança comunitária dos assentamentos Nova Canaã e Primavera que faleceu em 2020 vítima de câncer. O assentamento também conta com uma associação de moradores, instituição que foi regularizada junto à prefeitura na segunda semana de julho de 2021. 
Do despejo à venda ao setor privado 
A região em que era localizado o assentamento Estrela de Davi, desocupado a partir de um acordo com a prefeitura, agora está sendo rifada pela nova gestão da Prefeitura de Bauru.  Suéllen Rosim (Patriota), chefe do Executivo, informou nesta segunda-feira (19) que enviou uma solicitação para a Câmara dos Vereadores pedindo autorização para a venda de duas áreas de 754 mil metros quadrados ao setor privado.   

“A ideia é que com a venda consigamos recursos suficientes para investir em Bauru”, disse Suéllen, afirmando que o recurso arrecadado, previsto em R$ 49 milhões, será usado em equipamentos e infraestrutura. 

Ela afirmou ainda que “em anos anteriores, chegaram a ser cotadas para a implantação de moradias, mas os processos não evoluíram”.

O que diz a prefeitura

O Jornal Dois perguntou à prefeitura se há alguma previsão para reintegração da posse do assentamento Morada Nova, se o poder público está estudando alguma nova área para reposicionar as famílias e ainda, se existe a possibilidade de realizar a indenização dos moradores. A prefeitura respondeu apenas que não há previsão para realocação em uma nova área e que tem seis meses de prazo para realizar o despejo. 

O J2 também questionou se a nova gestão municipal pretende regulamentar os instrumentos urbanísticos previstos no Plano Diretor Participativo de 2008.

A resposta foi de que “o Plano Diretor Participativo está em processo de revisão” e que “uma das etapas desse processo necessita da realização de audiências públicas, com acesso presencial das pessoas, o que não é possível neste período de pandemia”. 

Vale ressaltar que a regulamentação dos dispositivos urbanísticos não precisa, necessariamente, passar pela revisão do plano diretor. Sobre esse ponto, a prefeitura não comentou.

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