Bauru pode ter mais mortes por covid-19 do que o número oficial

Em 2020, a primeira morte registrada pela síndrome respiratória aguda grave foi em março e até agora totalizam 75

Publicado em 03 de julho de 2020

A quantidade de pessoas em Bauru que morreram por SRAG, apenas nos seis primeiros meses de 2020, já é maior do que a média para um ano inteiro desde pelo menos 2015(Colagem: Letícia Sartori/JORNALDOIS sob ilustração: Bruna Tonial/@trunabonial e Pedro Inoue/@pedroinoue)
Por Camila Araujo

Com 1748 pessoas infectadas pelo novo coronavírus em Bauru até esta quinta-feira (02), o número real da pandemia na cidade pode ser maior. Apenas nos seis primeiros meses de 2020, as mortes por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) subiram 331% acima da média dos últimos anos para um período de 12 meses. 

A SRAG é um dos sintomas do novo coronavírus e aparece em pacientes que apresentam os sinais mais graves da doença, como desconforto respiratório, pressão persistente no tórax, ou até coloração azulada nos lábios ou rosto

Esse aumento anormal nas mortes por SRAG em 2020, se comparadas com os últimos cinco anos, pode significar que, na verdade, são casos de covid-19, indicando uma subnotificação no número oficial de infectados pelo coronavírus em Bauru. 

Até o dia 27 de junho, 75 pessoas morreram por síndrome respiratória aguda grave, de acordo com dados da Prefeitura de Bauru obtidos pela reportagem. O primeiro registro ocorreu no mês de março.

Segundo os dados, entre 2015 e 2019 a média do número de óbitos por SRAG registrados na cidade foi de 17,4. O número mais baixo foi registrado em 2015: oito óbitos. O mais alto foi em 2016, com um total de 29 mortes. Ainda assim o número à metade das mortes registradas em 2020.

Crescimento anormal 

Raul Guimarães, especialista em geografia da saúde e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente, pontua que a análise da SRAG é um evento sentinela no caso do coronavírus, ou seja, a avaliação é utilizada como uma pista  caso os números registrados apresentem uma anormalidade. Segundo o professor, tudo que está acima da média dos últimos cinco anos é suspeito. 

Para Raul, esse crescimento pode ser associado à covid-19. “Não é um crescimento normal”, aponta.

A média de óbitos por SRAG é 17,4 entre 2015 e 2019; em 2020, até o mês de junho foram 75 óbitos registrados (Dados: Secretaria de Saúde de Bauru. Arte: Camila Araujo/Jornal Dois)

Em nota, a assessoria de comunicação da prefeitura declarou que “todos os óbitos são encerrados com o devido diagnóstico. E, neste caso, passaram por exames da covid-19”. 

É possível que a doença não seja detectada por meio dos testes. Segundo o professor, quando uma pessoa com sintomas graves de SRAG faz um raio-X do pulmão, o exame pode apresentar uma espécie de ferida no órgão, o que demonstra um padrão típico da covid-19. Mesmo nesse caso o teste laboratorial de coronavírus pode dar negativo.

“São coisas para serem consideradas. Nunca vamos ter um número exato, mas é um conjunto de variáveis que nos aproximam dele”, conclui Raul.

Aumento exponencial 

Segundo Raul Guimarães, para saber se o vírus está circulando, é preciso analisar se há novos casos chegando. O interior do estado de São Paulo já tem mostrado uma explosão no aumento de número de casos no mês de junho, tendo até mesmo ultrapassado própria capital em número de mortes. 

No início de junho em Bauru, o número de casos confirmados do novo coronavírus era 295, de acordo com o boletim epidemiológico emitido pela prefeitura do município. Em 16 de junho, esse número havia praticamente dobrado: foram 583 casos registrados. Nove dias depois, em 25 de junho, esse número dobrou novamente, saltando para 1070 casos confirmados.

De acordo com dados da Fundação Owsaldo Cruz (FioCruz), estima-se que uma pessoa infectada transmita o vírus para mais duas ou três pessoas, em média. 

No ranking do estado em relação a casos acumulados, da plataforma MonitoraCovid, Bauru se encontra na 28ª posição. Quando se trata de cidades com maior crescimento do número de óbitos no estado nos últimos sete dias, Bauru está na quinta posição, com um aumento de 26,09%. 

“A situação da contaminação do coronavírus se agrava quando há casos graves chegando ao hospital, bem como a taxa de ocupação de leitos da UTI atingindo o limite. Esse é um ponto importante para observar”, pontua Raul.

O Hospital Estadual de Bauru, que concentra os casos mais graves dos pacientes com a covid-19, já alcançou a lotação total para conhecer a taxa atualizada dos leitos de UTI em 4 de junho segundo uma nota emitida pela Secretaria de Saúde do Estado. A reportagem tentou contato com a secretaria do estado para saber sobre a situação de ocupação de leitos, mas não não obteve resposta. Na terça-feira, dia 30, a prefeitura passou a disponibilizar a porcentagem de ocupação, que atualmente está com 95% dos leitos ocupados.

Para saber mais sobre os leitos de internação para a covid-19, acesse a matéria do J2.

Subnotificação 

“Não se sabe ao certo o tamanho da subnotificação”, aponta Raul Guimarães, “mas alguns estudos estão sendo feitos para determinar qual a porcentagem da população já está com anticorpos”. Ele explica que a pessoa que desenvolve o anticorpo já teve contato com a doença, o que pode ser uma diretriz para calcular aproximadamente os números subnotificados. 

O maior estudo feito no Brasil até agora foi promovido pela Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, e abarcou 133 municípios do país e Bauru

Na cidade de São Paulo, o estudo concluiu que aproximadamente 7% da população já contraiu o novo coronavírus, o que é algo em torno de 1 milhão de habitantes. Os dados oficiais, no entanto, registravam um pouco mais que 100 mil casos, no momento em que foi feito o estudo. Agora já são mais de 271 mil casos confirmados. 

Em Bauru, as três fases de pesquisa já ocorreram. Entre 475 testados nas duas primeiras fases, apenas um deu resultado positivo para a doença do novo coronavírus, conforme informado pela assessoria da prefeitura. Na terceira fase, que ocorreu entre os dias 21 e 23 de junho, foram 275 pessoas testadas e nenhum resultado positivo.

Segundo o professor, por conta do número reduzido de testes, a pesquisa que foi conduzida pelo Ibope nas cidades do interior podem apresentar resultados equivocados. Para ele, o resultado indica que a amostra deve ser repensada. 

“Quanto mais testes você faz, menor a taxa de erro”, pontua Raul. No município, já foram feitos 5.116 testes numa população estimada em 376 mil habitantes. Isso equivale dizer que a cada 10 mil habitantes, 136 foram testados. Os testes foram realizados pelos laboratórios credenciados no Instituto Adolfo Lutz. Ocorreram também testes rápidos recebidos pelo Ministério da Saúde, e também os testes do Instituto Ibope, de acordo com nota da prefeitura. 

“Quarentena Responsável”

A partir do dia primeiro de junho, o estado de São Paulo decretou flexibilização na quarentena com o Plano São Paulo publicado pelo governo João Doria (PSDB). O plano prevê cinco fases, de acordo com alguns indicadores apresentados no município. 

Plano São Paulo pensa estratégias e etapas de flexibilização da quarentena (Foto: Divulgação/Governo de SP)

A cidade de Bauru iniciou o mês na fase 3, com a possibilidade de abertura do comércio, bares, restaurantes, shoppings e salões de beleza com restrições, como horários de funcionamento reduzidos e distância de 1,5m entre os indivíduos. 

No dia 10, o governo de São Paulo reconsiderou o posicionamento do município, e Bauru foi rebaixada para fase 2.

Apesar disso, o prefeito Clodoaldo Gazetta publicou um decreto no dia 14 de junho que descumpria as medidas estabelecidas para a fase 2: o decreto mantinha o funcionamento de bares e restaurantes com atendimento ao público, algo que está previsto apenas na fase 3. Os estabelecimentos deveriam escolher, no entanto, entre funcionar no almoço ou no jantar. Os shoppings centers deveriam abrir durante os dias de semana, atuando com 20% da capacidade máxima, e o funcionamento por 6 horas, sendo que o previsto pela fase 2 é de apenas 4 horas. Os salões de beleza, que não estão previstos na fase 2, puderam permanecer funcionando, das 15h às 19h. 

Com número de casos aumentando, Bauru retorna para a fase 1 (Foto: Divulgação/Governo de SP)

No fim do mês, a região do Departamento Regional de Saúde de Bauru (SP) foi rebaixada para a fase 1 (vermelha). No dia 27 de junho, a prefeitura da cidade emitiu no Diário Oficial um novo decreto denominado de “Quarentena Responsável”, que prorroga o período da quarentena para o dia 14 de julho.

Além disso, o decreto suspende o atendimento presencial ao público em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviço, e o consumo local em restaurantes, padarias, mercearias, supermercados e estabelecimentos congêneres.  

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