Bauru irá vacinar ao menos 108 indígenas em contexto urbano

Número pode aumentar, afirmam lideranças indígenas da região; município ainda não definiu datas e acata decisão do STF de incluir desaldeados no grupo prioritário

Publicado em 26 de março de 2021

Em organizações regionais e nacionais, povos indígenas do Brasil reivindicaram vacinação para todos; plano do governo federal incluía apenas aldeados, os que vivem fora de aldeias são 42% da população (Imagem: Apib/Reprodução)
Por Bibiana Garrido 

A prefeitura dará início à vacinação de pessoas indígenas que vivem em contexto urbano na cidade de Bauru. O grupo estava fora das prioridades do plano nacional de vacinação contra a covid-19, mas foi incluído por conta de uma ação movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) no Supremo Tribunal Federal (STF). No primeiro momento devem receber a vacina 108 indígenas desaldeados – que vivem fora de aldeias. A data para início da imunização ainda está sendo definida, segundo informa o município ao J2.

Calcula-se, até o momento, a existência de 113 pessoas de 70 famílias indígenas vivendo em Bauru. Responsável pela contagem, a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste) afirma que essa lista ainda pode crescer. “A gente vê que o número de pessoas é maior porque os nomes ainda estão chegando”, relata Rodrigo Lujan, representante da Arpinsudeste em Bauru. “Sempre conferimos quem é a pessoa e quem é a família, tomando muito cuidado de só colocar quem a gente conhece, para que não tenha suspeita de que estamos incluindo qualquer pessoa só para tomar a vacina”, explica o indígena da etnia terena.

Antes da decisão do STF em 16 de março, a Arpinsudeste já havia apresentado à Prefeitura de Bauru demanda pela vacinação de indígenas desaldeados, em reunião com a Vigilância Epidemiológica no dia 17 de fevereiro. O município se mostrou favorável à iniciativa, segundo Anildo Lulu Awarokadju, membro da coordenação executiva da Apib, integrante da Arpinsudeste e presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas de São Paulo. “Bauru reconheceu a vacinação dos indígenas em contexto urbano antes que o STF se posicionasse”, ressalta.

Registro do encontro entre representantes indígenas e o departamento de Vigilância Epidemiológica de Bauru (Foto: Arquivo/Reprodução)

“A importância disso tudo é preservar a vida dos povos indígenas, que já foram quase todos dizimados” diz Anildo Lulu Awarokadju sobre a vacina. “É preservar a vida dos nossos parentes que ainda resistem a tanta discriminação e barreiras que a gente atravessa, principalmente na pandemia. Pessoas dizendo que a gente quer preferência na vacinação, não é nada disso. Temos um direito constitucional. Vamos honrar os nossos que sofreram, que não estão nessa luta porque já foram levados, mas deixaram essa conquista dos nossos direitos. É o direito à nossa vida hoje”.

Omissão

A vacinação de indígenas aldeados e desaldeados como grupo prioritário é uma conquista da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que entrou com uma ação (ADPF 709) no Supremo Tribunal Federal em junho 2020 reivindicando medidas do governo federal para a proteção dos povos originários na pandemia.

Um mês depois, em julho de 2020, Jair Bolsonaro (sem partido) vetaria 22 artigos do projeto de lei nº1.142/2020, que visava evitar a disseminação da covid-19 entre indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. O presidente cortou a obrigação do governo em garantir acesso à água potável, higiene e leitos hospitalares. Além disso, restringiu a vacinação apenas para aldeados em terras homologadas – reconhecidas pela Justiça. O projeto de lei considerava a imunização de indígenas que vivem tanto em aldeias, quanto em centros urbanos. 

“As decisões de Bolsonaro demonstram publicamente a adoção de uma política anti-indígena”, afirmou a Apib à época. “A omissão ao não adotar medidas de proteção aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais está baseada no racismo institucional, que não deixa dúvidas sobre a política genocida do atual governo”, apontou posteriormente em relatório.

Em agosto de 2020 o STF determinou que o governo cumprisse “seu dever constitucional” de proteção aos povos indígenas e apresentasse um plano emergencial de combate à covid-19. Foram quatro versões até a última em março de 2021. Com aprovação parcial do documento, o ministro Luís Roberto Barroso determinou que o governo ofereça acesso à água potável, saneamento básico, alimentos e vacinação para todos os indígenas.

A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde reconhece a inclusão dos indígenas que vivem em cidades no grupo prioritário do Plano Nacional de Vacinação e cita a data de 18 de janeiro de 2021, quando foram distribuídas primeira e segunda doses para aldeados. Não consta data ou menção à distribuição de doses para indígenas em contexto urbano e aldeados em terra não homologadas. O STF deu 15 dias para que o governo federal apresente o plano de emergência.

Na aldeia, na cidade

A discussão sobre as identidades indígenas também fez parte das movimentações entre governo federal, STF e a Fundação Nacional do Índio (Funai) nos últimos meses. Isso porque a Funai havia publicado uma resolução em 22 de janeiro de 2021 com o objetivo de “definir novos critérios específicos” para a identificação de pessoas indígenas.

Como lembrou a Apib, tentar definir critérios para dizer quem é ou não indígena “está em total desacordo com a Constituição Federal de 1988 e com a normativa internacional da qual o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho”. Em sua decisão, o ministro Barroso declarou inconstitucional a resolução da Funai e ressaltou: “o critério fundamental para o reconhecimento dos povos indígenas é a autodeclaração”.

“Nosso território é sagrado e ele é chamado Brasil. O índio saiu da aldeia para crescer, sobreviver de uma maneira diferente. As pessoas não entendem isso. Se um brasileiro sai daqui e vai para o estrangeiro, ele não muda de ser brasileiro”, anuncia Cacique Darã, coordenador geral da Arpinsudeste. “É importante a sociedade refletir sobre as populações indígenas com um olhar de brasileiro. Nós somos os verdadeiros brasileiros, e quem nasceu aqui na terra também é, mas às vezes fica com um olhar de fora para nós”, avalia o indígena da etnia tupi guarani.

São 41.794 indígenas autodeclarados no estado de São Paulo, conforme o Censo Demográfico de 2010 publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Brasil o número chega a quase 900 mil pessoas, sendo que 379 mil (42%) vivem fora de terras indígenas – esse é o público que estava excluído da vacinação prioritária. 

Por adotar políticas de reconhecimento individual e checagem genealógica, o Plano Emergencial de Combate à Covid-19 da Arpinsudeste para a vacinação dos povos reconhece até então 521 famílias indígenas, ou 2.148 pessoas, vivendo em contexto urbano no interior do estado de São Paulo.

Também da etnia tupi guarani, Anildo Lulu Awarokadju aponta as dificuldades da tarefa: “É tudo através de lutas, batalhas das organizações e conselhos. Trabalho difícil lutar contra o sistema, mas a gente conseguiu. O que falta é a informação do cadastro dos nossos parentes, nós estamos fazendo, mas é um desafio pegar a informação de todo mundo”.

Questionada sobre o início da imunização do novo grupo, a Secretaria de Saúde do Governo do Estado de São Paulo informou que segue o Plano Nacional de Imunização, e este, ainda não atualizado, prevê a vacinação dos povos desaldeados só para depois dos grupos considerados prioritários na versão atual. “A não ser que seja o caso de um indígena idoso, por exemplo, aí entra na prioridade”, explicou a assessoria do órgão à reportagem. 

Covid nos territórios

A divergência nos dados sobre a covid-19 na população indígena dificulta o planejamento e a execução de medidas de proteção. É o que concluiu o Conselho Nacional de Saúde após cinco meses de pandemia no Brasil. 

Segundo o Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena são 51.385 casos, 1.022 mortes e 163 povos afetados pela doença até esta sexta-feira, 26 de março. Os números diferem dos divulgados pela Sesai, pois esses só levam em conta registros em terras indígenas homologadas. De acordo com a secretaria são 45.488 casos e 622 mortes. 

 “A precariedade do subsistema [de saúde indígena] leva a que os índices da saúde indígena sejam piores que os da população não-índigena – como no caso de mortalidade infantil, desnutrição e diversas morbidades”, expôs Julio Araujo no JOTA. A taxa de mortalidade do coronavírus em indígenas é até 7 vezes maior do que a do restante da população brasileira.

A Apib identifica as principais causas da entrada do novo coronavírus nos territórios nacionais. No estado de São Paulo, prevaleceram:

  • Falta de atendimento da Sesai aos indígenas que vivem em contexto urbano e fora de territórios que não são homologados;
  • Hospitais querem registrar indígenas que vivem em contexto urbano como pardos;
  • Postura do governo tem aumentado os crimes de racismo contra comunidades indígenas em pequenas cidades;
  • Muitos indígenas se negam a fazer teste ou a realizar tratamento devido ao racismo, que também tem aumentado os conflitos internos nas comunidades.
Mapa da chegada do coronavírus nos territórios e populações indígenas (Imagem: Apib/Reprodução)

Nas aldeias, a vacinação imunizou 72% dos indígenas com a primeira dose e 52% com a segunda. Moradores da Terra Indígena de Araribá em Avaí, local classificado como de alto risco no Mapa da Vulnerabilidade Indígena à Covid-19, também receberam as aplicações. 

Auxílio

74 iniciativas indígenas espalhadas pelo país coletam doações para o enfrentamento à pandemia. Em Bauru, a Arpinsudeste está arrecadando cestas básicas, produtos de higiene e equipamentos de proteção contra a covid-19, como álcool gel e máscaras faciais. 

Para contribuir no município, entre em contato com Rodrigo (14) 99747-8756 ou entregue suas doações para Suiyane no Santa Edwirges: Alameda Acrópole, 1-56.

“Infelizmente hoje, com as monoculturas dos grandes empresários, não temos mais rios, não temos mais pesca. A gente começou a fazer outro caminho que é o do artesanato. Vivemos da nossa cultura, apresentações, eventos, feiras. A pandemia impactou muito porque não temos mais de onde tirar recurso, aí falta alimento”, diz Cacique Darã. E faz um apelo: “Eu queria pedir para os apoiadores que tem o interesse de ajudar as comunidades indígenas, que nos procurem e ajudem a divulgar para ver se a gente arrecada mais cestas”.

Para contribuir no interior de São Paulo, entre em contato com Cacique Darã:
(15) 99749-8534.

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